segunda-feira, 16 de novembro de 2009

e alguém me disse: você não tem escrito ultimamente.

e então pensei que não tenho mesmo. que deixei engavetado (mais uma vez) o projeto do livro que até ainda pouco rendia alguma distração. que sou um pouco viciada em missões impossíveis. que penso melhor quando estou no chuveiro, de preferência de cabeça baixa com a água quente queimando a nuca. que coloco o despertador pra mais cedo à toa, já que não levanto. que desperdiço tempo e pessoas por mera fixação no tempo (passado-futuro) e pessoas(outras). que estou cansada de ficar especulando, bom seria por as cartas na mesa. bom mesmo seria ter cartas na manga! que se o mundo acabar de fato em 2 anos, qual o sentido de investir em algo a longo prazo? qual o sentido de pensar nisso com seriedade? talvez pra sustentar uma conversa sem intimidade, algo como previsões do tempo... bem diferente do que ficou por dizer, bem diferente de já não dá mais pra ser assim. porque já não é assim mais. e pra provar que as coisas não vão nada bem, veio a sede e não tem água na geladeira...
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Mas champanhe tem.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Ni flores ni nada

Elementos de los días
Hundidos en ese pensamiento
Que me viene a cada rato
Como si fuera un aviso

Y por las calles me voy
Buscando algo más que yo misma
Entre llantos secos de cansancio
Y lágrimas puras de una ausencia

De la pregunta por las flores tiradas
Apenas una negativa entre dientes
Si te contara lo que me pasa estos días
Que sentirías? Desviarías tu mirada?

el desaliento…

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Acuérdate:

El día que vuelvas a querer flores
no más aquellas, otras
Vengo
Te las ofrezco.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

você mudou-se
ela mudou-se
também mudei-me

todos nós em silêncio
novas casas
no tabuleiro da vida

segue o xadrez silêncioso das partidas

nos confortará algum dia a geografia cartesiana de nossas covas?

vamos olhar novamente pela mesma janela, em silêncio, num final de tarde, seja ela a do carro... a da Glória... a da alma?

a dúvida dos reencontros me navega,
enquanto confirmo, com um aceno de cabeça
para o novo vizinho, a efemeridade de tudo
o que nos cerca

até os passarinhos passarão

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

A soma dos dias (gracias Isabel Allende)

Hoje:
30 dias,
4 semanas e dois dias
um mês inteiro
não sei quantas horas
quantos minutos e segundos
quantos suspiros
quantos pensamentos
quantas saudades
quantos planos

Hoje:
mais um dia pra...
pensar no amanhã?
ler?
tentar escrever?
outra garrafa de vinho?
dobrar mais quantas esquinas?

Hoje:
Faxina
Mudei os móveis de lugar
li parte de três livros
recebi e-mails
verei um amigo tocar sax

Hoje:
depois DO ontem
antes DO amanhã
porque cada dia deveria ser precedido de artigo definido
para ganhar sua devida e nobre singularidade

Hoje:
pensava não ter feito nada
mas depois de tudo escrito
já está de bom tamanho
por hoje

Mas e o mais?
Já era...
Agora só amanhã.
Que DO amanhã será O hoje.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

E ele disse:

- Com quantas tristezas se faz uma alegria?

E eu, egoísta que sou, só pensei nas minhas... Foi tão difícil chegar aquele ponto, eu que sempre desci ladeira abaixo estava, finalmente, a descansar sobre a grama verde. E pensei: ainda que fosse possível repartir alegria feito coisa concreta, como a metáfora do pão ou o milagre do vinho na santa ceia - eu, egoísta e agora pecadora irrecuperável, eu não quero ter que dividí-la. Me custou tanto! Foram tantas as lágrimas que me arderam os olhos que já estou cega pra todas as outras tristezas... Ou finjo que estou, simplesmente.

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E toda noite me deito na cama aos prantos, vigilante da travessa de pão e vinho a repousar sobre a cabeceira.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Distribuição de segredos

Foi a partir de um e-mail inesperado e singelo que me bateu uma vontade louca de distribuir segredos. Pois bem, que hoje seja o dia de abrir o livro de não sei quantas páginas, deixar o pudor falar mais baixo e as vergonhas de lado. Foi a partir de um e-mail singelo que me deu vontade de contar coisas que a maioria ainda não sabe sobre mim. Ou, ainda, que ao dizer coisas que a primeira vista não têm conexão com outras, seja possível abrir esse outro lado que quero amadurecer ou, pelo menos, entender.

- Tenho muita vontade de ficar sozinha
- Houve um incêndio numa casa da minha rua, mas eu só espiei do balcão e não quis descer pra ver de perto
- Há mais ou menos umas vinte pessoas que esbocei uma caricatura literária a seu respeito, mas elas nem se dão conta
- Sou bastante discrente dos eloquentes teóricos
- Pago para fazer um mestrado
- Quero um compromisso
- Às vezes me passam pra trás
- Ando quilômetros por dia pra conhecer um território novo
- Choro quando tenho raiva
- Não tenho tendências violentas quando acordo
- Anteontem me senti um cocô
- Tento ser simpática, ainda que me custe
- A mulher da quitanda brigou comigo porque apertei o pêssego pra saber se tava maduro. Respondi a ela com a minha melhor educação, percebi que tava duro e por isso também não comprei.
- Entrei no chinês para adquirir um adaptador. Me atendeu um que não falava espanhol. Me empurrou em mandarim um mega super por 7,70 e eu acabei levando um de 0.75
- Ri baixinho das senhoras que entraram encharcadas no ônibus por causa da chuva
- Suei bicas carregando minhas malas para um novo apartamento
- Comprei coisas saudáveis para o café da manhã
- Penso em estrear meu tênis novo de esporte
- Chorei quase as dez horas que distanciam o Rio de Lisboa
- Sinto saudades
- Amo várias pessoas ao mesmo tempo
- Brinco de me reinventar cada dia
- Etc
- Etc
- Etc

Amanhã certamente serei outra porque passarão outras coisas. Outras coisas que passam todos os dias e que eu assimilo e incluo ou não dou bola e jogo fora. Isso que me faz sentir viva e gostar dessa sensação.
Tento escutar mais essa voz que ecoa desde dentro, que pulsa e grita. Aquela que me alça a descobrir novos mundos.

Quantos mundos cabem dentro do meu mundo?

Quantos segredos ainda faltam por distribuir?

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Um lar para chamar de seu

Hoje nao programei o relógio. Quando despertei já eram quase 10h. Ainda fiquei uns 10 minutos olhando em volta, pensando. Como era boa a sensaçao de ter um cantinho. Agora eu tenho o meu e espero que essa temporada vivendo aqui seja muito feliz. Também fiquei pensando no novo cantinho dos amigos. Tantas mudanças nos últimos dois meses na minha vida e na de pessoas muito queridas! Estou muito contente por elas e por mim! Todos têm que passar por esse ritual pelo menos uma vez na vida: transferir suas coisas para um novo lar. Tomar esse novo espaço como seu e cuidar dele de verdade. Idealizo já a decoraçao, tudo o que almejo comprar para fazer dele a minha cara, algo mais parecido comigo. Na verdade acho que ao decorar vou descobrir o que gosto de verdade, vou me revelando a mim mesma. É uma pena que nao possa pintar as paredes (nem de amarelo ouro, nem de verde bandeira) tampouco furar paredes para dispor meus quadrinhos. Mas nada disso é grave e para tudo há outras soluçoes. As mais imediatas já foram tomadas e as demais com tranquilidade certamente virao. Me esparramo no grande colchao de lençóis negros e sorrio. Sorrio para o armário branco antigo que também sorri pra mim, para o balcao que ainda está fechado esperando que minhas maos o abram para que o dia invada meu quarto e para as fotos do porta retrato escondido atrás dos cosméticos. Tudo isso terá seu devido lugar. E parece que eu já tenho o meu!

domingo, 13 de setembro de 2009

Mudança

As janelas do teto do quarto espiavam inquietas o sono da menina. E quando as nuvens resolveram dissipar-se, elas puderam mostrar-lhe o novo dia que se anunciava. A menina, sentindo a claridade que vinha de fora, finalmente depertou. Ao abrir os olhos, reconheceu o lugar e lembrou que já era hora de ir. Para nao incomodar os donos da casa e com a perspicácia de um felino que se movimenta sem fazer ruído, ela deslizou pelos corredores em busca de seus pertences. Enquanto os organizava nas malas já bastante gastas por tantas idas e vindas, ela recordava suas histórias e repassava sonhos. Estava feliz? Sim. Ainda assim, estranhamente, sentia uma fina tristeza e bem sabia o por que. Sabia que nunca seria possível abstener-se da tristeza que carregava dentro, mesmo que vivesse mil e uma alegrias e que se despertasse com mil e uma manhas de sol. Uma alegria é uma alegria. Uma tristeza é um corpo intangível ligado ao nosso corpo concreto. É o pesar dos amanheceres chuvosos. É o desconforto do abandono. É o desamparo da despedida. O desejo insaciado. A vontade tolhida.

Mais uma vez olhou as janelas sobre sua cabeça. Fazia calor e já passava da hora de ir. Havia feito as pazes  com a tristeza. Hoje nao, sentia-se feliz. Fechou a porta pela última vez e partiu acompanhada pelo sol dos últimos dias do verao. 

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Com quantas tristezas se faz uma alegria?
Ele saiu de casa pra comprar cigarros...
Ela mudou de país pra encontrar sentidos...

E eu fiquei só, como de costume.

inédito

fazia sol. era uma quinta-feira. só me lembro de atravessar a rua com pressa; esbarrei nela e caíram os livros. ela xingou. eu ri e disse que a culpa era dela. ela xingou de novo. eu ri mais uma vez - fiz de louca. e comecei a chorar em seguida. e ela, indignada, disse: ah, não! não-não-não... disse muito rápido e muitas vezes. e eu chorando ainda. e ela, ao tentar me acalmar, derrubou de novo os livros. e eu solucei. e me engasguei. e voltei a rir - alto. e disse: puta merda! e desta vez ela riu também. e eu disse: hoje fez sol, mas está chovendo. e ela concordou. e os carros buzinaram e xingamos os carros com mãos firmes e palavras tontas; e sentamos pra um café. inédito e sem reprise.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

e-mail

Sent:
Date: 2009/7/22 13:05
Subject: ninguém vai morrer por causa disso, né?

é claro que eu me apaixonei por você, perdidamente.

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Received:
Date: 2009/7/22 14:16
Subject: Re: ninguém vai morrer por causa disso, né?

desculpe se alimentei algo...não foi minha intenção em nenhum momento...

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(draft)
Date: 2009/7/22 16:55

DESCULPA É O CARALHO. FODA-SE!!!

sexta-feira, 31 de julho de 2009

deve ser amor que estou sentindo...

De repente, me deu saudade. Saudade daquelas que invade o pensamento com coisas do tipo abraço de biblioteca e o sol brilha no quarto enquanto brincamos... Saudade de coisas que acho que nunca vou esquecer porque elas não mais estão, elas são. Como tudo aquilo que é, simplesmente, sem razão de explicação ou questionamento. Destas que devora e preenche ao mesmo tempo, que está tão dentro e tão fundo que é quase intocável - como o segredo da coca-cola que outro dia vi no filme de animação... Não é saudade, estou usando o termo errado. É destas certezas que emociona, que quer olhar nos olhos e se ver. E de fato se vê, se escuta, se encontra. Que sorri, que tem calma e liberdade para fazer outras coisas, mas que cuida com dedicação e beleza daquilo que se tem, colocando à parte o lado obscuro das certezas que costumeiramente faz-nos negligentes... Deve ser amor. Só pode ser amor...

quinta-feira, 30 de julho de 2009

quarta-feira, 22 de julho de 2009

bolo de aniversário: fecho os olhos e faço um pedido eu quero

confete poemas declarações de amor abraço beijo aperto carinho língua-de-sogra-chapéu-de-papel-cone-colorido cheiro perfume bala jantar bolo brigadeiro porre de vinho festa algazarra banda de música trombone uma canção feita pra mim mergulho café café com chantily sobremesa pão quentinho gargalhada dançar dançar sozinha dançar juntinho dançar rodando -rodando-rodando cair no sofá e rir dizer o que queria e ficar leve fazer o convite pro afeto e ter um SIM eu quero SIM quero SIM sem senãos agora ontem pra sempre e nunca mais eu quero mais tempo quero ficar bem assim um segundinho a mais eu quero este dia pra sempre ... Ai!

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Estou tão descaradamente feliz que eu poderia tomar o mundo inteiro de uma só golada!

porque tem sido um ano bom

aumentou o volume para poder cantar em voz alta. Na cozinha, avental posto e condimentos à mão: o primeiro jantar na nova casa. A postura era de mestre-cuca: com uma das mãos para trás, se curvou um pouquinho para provar do molho... hunmmm. Estando tudo pronto, cuidadosamente preparou a mesa, abriu o vinho que há pouco comprara, encheu uma taça e ao dar o primeiro gole saboreou com devoção não só a bebida, mas toda a magia daquele momento íntimo, solitário e absurdamente feliz. Tão feliz que, se pudesse, fotografaria aquele instante e guardaria feito um tesouro para, numa tarde chuvosa de domingo, já com a memória em preto-e-branco poder colorir um pouco os olhos marejados de saudade... Então sorriu ao imaginar esta cena e enquanto jantava, pensou que gostava de ano ímpar, que esta era sua última noite aos 26, que ignorou todos os prognósticos de inferno astral e que pra tudo ficar perfeito mesmo só faltava o café... Com um suspiro (de singular leveza), fez a concessão silenciosa de deixar este último pra depois, com um pouco mais de tempo ou em melhor companhia. Quem sabe...

segunda-feira, 20 de julho de 2009

para uma outra vida

se eu pudesse escolher, seria astronauta, bailarina, poema do Fernando Pessoa, paraquedista, agente do FBI em filme de Hollywood. Poderia ser também um bicho bem esquisito tipo grilo, fruta agridoce, filha de diplomata, chocolate suiço meio-amargo ou metáfora da Clarice Lispector. Talvez campeã olímpica, talvez ainda recordista de saltos mortais, pirata do século XVI, prefeita-governadora-presidente da Repúbica Federativa de sei lá onde. Ou então se eu pudesse mesmo escolher seria princesa de Gales, Rainha da Inglaterra, amante do Guevara, mulher do Gael e amiga íntima da Madonna. Ou, mais legal ainda, poderia ser apenas herdeira. Ou hippie, ou magnata, ou aristocrata, ou turista no Caribe ou ganhadora do prêmio Nobel da paz. E poderia ser as palavras saudade, dimanche e sunshine. Melhor: poderia ser dicionário, suspiro, inspiro, beijo na boca. E ainda vento, e ainda verso, e ainda sol... sol-sustenido.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

I'm not sure about us



desenho original disponível em: aliceprina.wordpress.com

sexta-feira, 10 de julho de 2009

mi casa, tu casa

outro dia, sentada no bar com amigos, ouvi dizer: ética é o melhor de si mesmo. algo assim. e fiquei com isto estalando por dentro. estou às voltas com a tal 'cooperação internacional', seja no trabalho, seja nas teias afetivas que me sustentam e alegram. e nesta torre de todas as cores e letras possíveis, há quatro termos sagrados: diversidade, paz, diálogo e tolerância. - antes de escrever sagrado, ia escrever 'bíblico', mas pensei que estaria deixando de lado as muitas possibilidades de fé, inclusive a fé matéria-bruta que é a fé no outro. aliás, aprendi um termo novo: plurinacional. e gosto deste porque plurinacional não nega a origem, conjuga hábitos comuns e aceita a diferença. eu tenho o verde-amarelismo um pouco desbotado. não por vergonha, negação ou rebeldia. é desbotado porque me permiti expandir, simplesmente. me permiti bagunçar cores, ritmos, palavras, jeitos, temperamentos. bagunçar não como quem visita, mas como quem faz parte. é bem diferente e é preciso comunhão entre quem dá e quem recebe. uma coisa é ser anfitrião, outra é ser hospitaleiro. alguns podem ter me visto imigrante, se fui, foi apenas sob uma condição: imigrante de mim mesma, porque não moro em mim faz tempo. mais que isso: não caibo. atravessar a rua pode ser perigoso e não é pelo outro que está parado suspeitamente na esquina. é por você mesmo - eticamente falando...

quarta-feira, 8 de julho de 2009

It's been a hard day's night, and I've been working like a dog...

E sentiu a vista queimar como se lágrima fosse brasa. Não ouviu, leu. Leu com olhos vermelhos metade impotência, metade sangue-quente de quem teve no passado estrela no peito e um ideal: queria a coisa certa, apenas. (...) É claro, passados tantos anos e algumas decepções, provavelmente se contentaria com a coisa errada travestida de correta, desde que a máscara fosse bem feita; ser conivente com o abuso descarado das artimanhas do outro não cabia naqueles olhos... Estava tudo ali, tão desleixadamente dissimulado que a vontade era dizer letra por letra:

F-A-L-C-A-T-R-U-A.

Era uma indignação desmedida, ainda maior diante do discurso retórico e ofendido da parte desmascarada. Mas estava segura: não há castigo para a honestidade. Pior seria a comiseração íntima de se calar, simplesmente. Então disse. Não a palavra 'falcatura' como gostaria, mas disse levemente: negligência. disse: benefício a terceiros em detrimento do interesse público. disse: justifique a opção pela operação desvantajosa. Disse... Disse com palavras de veia alta, pulsante. Disse firme e sem delongas, mas com toda a polidez possível. Toda a polidez plausível quando se aponta o dedo na cara de Deus e fala pra ele: eu vi.

Mas Deus é Deus.

E sentiu a vista queimar e entendeu que lágrima é mesmo brasa, só que ninguém sabe.

domingo, 5 de julho de 2009

ça va bien

That was me, that was me, that was me:

Tão segura no que era futuro
E tão forte no que era fim
E tão firme no que era palavra
E tão convincente no que era voz
E tão imponente no que era postura
E tão horizonte no que era olhar
E tão independente no que era amor

O Tempo está
des
bo
tan
do
As minhas cores favoritas.

O que era um plano... É fato
O que era uma expectativa... É data
O que era distante... É agora
O que era vizinhança... É hemisfério norte.

Tic-tac-tic-tac-tic…

Era um mágico, bruxo ou inventor? Não lembro...
Acordei e estava escrito no meu pensamento: “Outro alguém se chegará... E dará corda na vida da gente. Brutalmente”.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

domingo, 28 de junho de 2009

ideia fixa


(e suas múltipas possibilidades...)

quarta-feira, 24 de junho de 2009

num piscar de olhos

quarta-feira, 13:14:17
talvez no fim de semana aquele filme que disseram que é bom não melhor ficar em casa descansando tem também a conta do telefone o cartão de crédito o apartamento a roupa nova o tenis de palhaço lindo lindo lindo e cancelar a academia e procurar uma outra outra aula qualquer pra começar e terminar assim-assim e a transferência pra fazer da compra no bazar e o livro que está pela metade e nada de novo por lá no espaço que não é meu nem nunca foi nem foto nem texto nem recado que possa ver e acalmar um pouco esta curiosidade ou saudade eu já nem sei que nome tem e se eu tivesse morando ainda na Europa as coisas seriam melhores - será que sim? - não sei nunca se sabe vou deixar um recadinho pros amigos de longe e saber se eles lembram de mim porque se não lembram vão lembrar agora e sempre terei uma casa pras férias e um olá vindo de longe que ainda me deixa saudosa e alegre daquela alegriazinha triste de quem partiu e nossa! a amiga argentina que nunca mais me escreveu e o namoradinho catalão que era ótimo mas eu não estava pronta estou agora mas é tarde passou acabou eu acabei e fui atropelando tudo destruindo tudo que era bom e eu era má nas coisas boas e tem ainda o Canadá e tem ainda Barcelona e tem ainda Santa Teresa que parece outro país de tão distante cada dia mais e eu aqui me esquecendo de que forma tem as coisas e o som e a gravidade de certos olhares que eu vi primeiro e por último e não fez a menor diferença no final sem final feito filme francês que a gente não entende mas gosta sem saber porque exatamente gostou ou como foi a historia e não explica e não lembra só sente eu só sinto e sinto muito ainda por tudo mas deixa um dia passa e acho que vou fazer o concurso e comprar uma casa e aprender a dirigir mas se eu tiver uma casa um carro um trabalho que me pague bem não poderei mais pegar um avião e descobrir o que tem do lado de lá então que dúvida absurda de fazer agora e não ter depois e não fazer agora e não ter depois e fazer e ter é só coragem então e...
quarta-feira, 13:14:18

terça-feira, 23 de junho de 2009

Desalinho

Sentia o trépido do atritar de rodas da aeronave na plataforma de pouso do aeroporto. Era dia, mas ainda não tinha noção do horário local. Era Barajas. Trazia no peito a expectativa de um futuro bom, ainda que incerto e o Tum-tum-tum-tum da emoção do desvendar de uma nova realidade. Era verão. Era dia e ela tinha fome. Era dia e ela tinha ânsia. Ainda era dia e ela tinha pressa. Tomou o primeiro ônibus em direção ao Sul. Carregava todas as malas sem muito jeito, mas com toda determinação e cuidado. Era tudo o que tinha e era dia. E ainda tinha toda a noite do primeiro dia. Toda a surpresa de cada fim de estrada até seu destino, daquele princípio de entardecer. Acomodou-se nas primeiras poltronas, organizou seus pertences. Todavia estavam todos lá, pensou. Sorriu. Respirou fundo e começou a procurar em volta, um rosto familiar, um olhar caridoso, um esboçar de sorriso, um reconhecimento. Achou! Não exitou em aproximar-se. Ele estava ali tão acessível e quieto, tão como era e ela ainda não sabia. Não pestanejou em questioná-lo, em convidá-lo, em ouvi-lo. E desse primeiro diálogo nasceu sua loucura, seu desalinho, sua amargura. Amou-o tanto a ponto de se perder, de se desesperar, de enlouquecer. Amou-o até onde não mais cabia. E de tanto amá-lo passou a duvidar desse sentimento. Não podia ser algo natural. Decerto fora magia, mandinga, encosto, carma ou algo similar. Na dúvida, engolindo o sofrimento, decidiu esquecê-lo para redesenhá-lo, reinventá-lo. Talvez com um outro formato, linhas, texturas e cores novas, ele voltasse a ser o mesmo daquele dia do ônibus. Tentou, em vão, até suas forças fenecerem. Perdida entre traços e aquarelas, adormeceu profundamente. No sonho, estava feliz, adentrando um ônibus sem direção definida, carregando malas e ilusões e, nas mãos, apenas um bom e velho romance de um amor louco.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Café da manhã

Pousou delicadamente a mão sobre o seio dela. Ambos sabiam que era um gesto de amor, ainda que nada nunca houvesse sido dito. Era um carinho com gosto de despedida. A sensação de sentir o pulsar do seu peito, talvez, pela última vez, atordoava-o. Assim ficaram por alguns instantes. Instantes de ternura. Abraçaram-se longamente, deitados, calados, nus. A vida podia passar toda assim, terna, eternamente.

O dia da despedida passou como se não fosse, como se houvesse um seguinte e os seguintes. Houve, mas muito tempo depois. E nesses dias, a pergunta de sempre era: - “O que faço contigo?”. E a sempre pergunta-resposta: - “O que fazemos de nós?”. Nunca se sabe ao certo o que fazer com alguém e quando é que essa decisão tem de ser a dois, mais que um, um em dois, dois pra um. A reticência de assumir: - "Sim, quero!" O medo de recusar: - "Não, não quero..." A sempre constância da espera, mais adiante tratamos disso, o medo do precipício, a incerteza da dúvida.

O fato é que ainda não sabemos. E se não tentarmos jamais nos responderemos.

- "Sim, tentemos!" Uma vez mais, aceito teu convite.

Aceita o meu?!

Te espero, cedinho, para o café da manhã. Para você, reservo as melhores frutas da estação, o pão bem quentinho com a manteiga derretendo, a xícara de café, os sucos da minha Terra. A geléia como sempre fica por tua conta. Se quiser, te preparo um chá, puro ou com mel.

Tudo bem doce, bem bom, da maneira como já foi e como deverá ser se....

Respondo: - "Sim, quero!"

E seja o que Deus quiser.

Estou aqui. Vem?!

quarta-feira, 17 de junho de 2009

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Se eu pudesse beijar você agora
beijaria de novo e de novo
até não poder dizer mais
onde eu começo, onde você termina

eu só sei dizer que te amo
e esse caminho que traçamos juntos
já foi muito
já foi muito pra quem não esperava nada
nada disso que hoje eu tenho
esse Sol, esse sorriso lindo, lindo, lindo

Se eu pudesse beijar você agora
beijaria de novo e de novo
até não poder mais ir
aonde eu começo, aonde você termina

eu só sei dizer que te amo
e esse caminho que traçamos quase juntos
já foi muito, já foi
já foi muito pra quem não esperava nada
esse Sol, esse sorriso lindo, esse jeito
de ir e me deixar quase louco
quase louco, quase louco

por que você não me procurou?
por que você não veio?
por que você não quis?
o que será da gente
da gente que se quer tão bem,
que se quer tão bem
que se quer também?

quinta-feira, 11 de junho de 2009

muito e muito tempo depois...

Finalmente era primavera, la ciudad estaba toda florida y el olor de las naranjas típicas de esta época ya se podía sentir por toda parte. Hacía calor y porque quedaban a miles de distancia del mar, los de la ciudad acostumbraron a irse a los parques públicos entretenerse y refrescarse en las pequeñas cascadas de agua natural que por allí habían. El Ayuntamiento aprovechaba la ocasión en que todo el pueblo estaba otra vez de paseo por las calles y siempre promovía festivales de todos los tipos: cine, música, circo, teatro... Carmen se despertó animada pues era el día de la presentación del Ballet Bizet, el grupo fundado por su abuela y uno de los más grandes orgullos de la pequeña ciudad de Castellar.
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Javier estaba jugando con los niños en el jardín, cuando se aproximó de ellos un joven de ojos tremendamente azules como océano, diciéndoles:
- Perdóname señor, buenos días. Vive en esta casa la Srta. Carmen Bizet?
Pues si, ella es mi mujer. De que se trata? - Dice Javier al muchacho.
Un poco sorpreso y ya no tan valiente, el chaval sacó de su bolsa de cuero una pequeña cantidad de sobres ya amarillentos de tan viejos y se lo puso en la manos de Javi:
- De eso se trata. Por favor, entregarla. Llevo tanto tiempo buscandole que solo ahora veo lo cuanto estoy retrasado...
Javier examinó los sobres. Le pareció todo un poco raro; Ellos no llevaban nombres y tampoco reconoció las estampillas. Entonces dice al joven que ya se distanciaba:
- Oye. Espera un minuto, por favor... Hoy es festivo en la ciudad, los del correo no trabajan. Quién es usted y como llegaste a nuestra casa?
El joven dice: Vengo de lejos… Y quién soy ya no importa más.
Javi recogió a los niños y entró en casa, yendo directo a la habitación a donde su mujer se preocupaba en elegir un vestido adecuado para el estreno de aquella noche.
- Carmen, ha pasado algo muy raro. Un joven de acento que no conozco me preguntó si esta era la casa de la Sta. Carmen Bizet y me entregó esto, dice que era todo tuyo y que te estaba buscando hace mucho.
Carmen cogió los sobres y dice inmediatamente:
- No tengo ni idea de lo que es…
- Seguro? Y la estampilla esta – Mar do Su(…) Su-l, creo que así se dice. Donde es eso?
- Mar de donde? Yo no sé, Javi. (…) Y por que me estás mirando así, cariño? Y este hombre que le entregó estes sobres, quien es? A donde está?
- Yo que te pregunto quién es este chaval! Un amante? A parte, es mucho más joven que tu, no me imaginaba que pondrías tener amigos jovencillos en otra parte del mundo!
- Pero, Javier, lo que me estás diciendo es una gran tontería… Yo no me voy a molestar con esta historia que no entendí nada y de nada sé a respecto. Y se te vas a quedar enojado, pues tienes dos trabajos: enojarte y desenojarte solo porque yo no tengo nada que ver con eso…

Y Carmen salió enfurecida, tirando los sobres en la cama. Javier se sentó y cogió uno de ellos y rompiendo el cierre, empezó a leer. Le bastaron dos o tres líneas para percibir que se trataba de un idioma parecido al suyo, pero no se podía entender mucha cosa. La lengua era latina, de esto estaba cierto ya que era estudioso de Filología, pero… De donde?
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Con la carta en manos y ya mucho más tranquilo, se aproximó de su mujer que estaba bañándose. Ella había llorado, estaba con los ojos un poco rojos y por eso no quiso mirarle mientras él le hablaba.
- Mira, cariño, perdón si fui un gran imbécil… Me puse celoso, yo sé. Es que fue todo tan rápido y una gran sorpresa. Yo estaba allí, con los niños y me surgió este tío así de pronto ni sé de donde, preguntándome por ti y con estas cartas! Parecía que vosotros se conocían toda la vida…
Un corto silencio se pasó y Javi empezó otra vez… No podemos olvidarlo todo? Su abuela ya debe estar llegando para la ceremonia con los otros de la familia, a mi no me gustaría que estuviéramos así… Venga, por favor, Carmen…
Entonces Carmen le interrumpió y dice:
- Javi, un minuto… Cuál es sitio de las estampillas? Mar do Sul?
- Si, es este…
- Por díos! Mi abuela no es de aqui; Ella se vino de una tierra lejana que está abajo del Ecuador… Nos cuenteaba muchas historias de un amigo Farolero que tenia pero que nunca se encontraron porque él estaba cerrado en el Farol y ella tenía mucho miedo del mar porque una vez casi se ahogó… Hasta que un día, en una gran tempestad de 11 de junio, el mar incontenible rompió con las paredes del puerto que mantenía la ciudad segura y inundó todo, destruyendo los edificios, plazas, casas. Todo que estaba en tierra se hizo mar, así me dice mi abuela. Las familias tuvieron que salir con urgencia de sus casas y se abrigaron en los barcos... Como Mar do Sul era una isla, casi todos tenían embarcaciones, pero algunos no tuvieron tiempo para huir y… Lo imaginas la tragedia, no?
- Claro! Está explicado… Además, tu nombre es una homenaje a la señora Bizet… Carmen Bizet. Mira, cariño, la carta esta, está firmada por “Bailarina” y fue escrita para el Farolero, seguro la misma persona de las historias que escuchaste. Y que loco, el 11 de junio es tu cumple!
- Venga, Javi, que fuerte, que fuerte! Pero… No es raro que un muchacho le estregaste esto? Si es la misma persona, deberías ser mayor, no lo crees?
- Si, a lo mejor tu abuela nos podrá explicar todo.
- No sé si a mi me gusta esta idea… Ella está muy viejacita, y si le viene emociones que ya no puedes contener y...
- No, Carmen, déjate de esto. Es algo importante, tienes que entregarla, no se puede esconder algo así.
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Cara Srta. Bailarina,

Escrevo para informar que o antigo empregado do farol mudou-se sem deixar novo endereço. Sou o encarregado de cuidar da desativação do farol, há muito prevista, já que todos as embarcações têm hoje modernos equipamentos que dispensam o uso de tecnologias à lenha. Encontrei sua correspondência ao chegar e devolvo-a no estado (lacrada). Sem mais, atenciosamente,

Sr. Lúcio

PS: Curiosamente, corre entre os pescadores o mito de que o antigo faroleiro seria um mago, pois alguns deles o teriam visto atirar-se da torre e, transformando-se em gaivota, sumir no horizonte. Como são criativos estes nativos.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Faroleiro,

Como se não bastasse a falta de uma narrativa interessante, agora dei para inventar metáforas para além do desprezível... Note: para te fazer queixa do meu desconsolo, ia começar esta carta com a frase:
  1. "Ando tão medíocre que sou capaz de tropeçar numa formiga e cair".

(...) Pelo menos me sobra um pouco de auto-crítica e, pensando bem, até que é divertido escrever estes pequenos absurdos... Se eu me esforçar um pouquinho, digo coisas ainda piores numa tentativa de parecer eloquente e passional:


2. "Porque estava tudo ali e as coisas eram desde sempre até: um porta era uma porta avião mosca escada rolante montanha-russa eu você... Não é possível acabar assim. Estava ali, eu vi. E nós éramos desde sempre qualquer coisa assim junto assim quente assim certo assim pra nunca mais ser coisa alguma."

Um pouco melhor, que tal?

É tudo invenção, meu caro. Tudo invenção.


Esta carta, este quarto vazio, esta queixa de um amor que não houve, nem ouve: é surdo, cego e mudo... Ah, agora sim: um bom clichê.

É tudo invenção, porra! É tudo palavrão.

É feio. Agora pouco ouvi dizer: ela não liga pra você.

trimmmmm trimmmmmmm trimmmmmm: o te-le-fo-ne, tocou novamente. Fui atender e...

AlôAmigosDaRedezrfrzfrsFoiDadaALargadarzsgszsAntenaUmLightrzsgszsGoodTimesNoventazrshrsz ...
bzzzzzzzzzzzz...

É tudo invenção e eu não tenho que te falar assim... Perdoe, é só cansaço.
um beijo estrelado.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Bailarina,

Manda-me então teu silêncio, para que eu o acolha como o verso soprado que não pude ouvir, jamais ousei perguntar, mas vive em mim como um rio, que escoa e jamais esvazia.

Com afeto,

Faroleiro.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Entre um café e outro

- Uma folha em branco é um convite tentador, não é?
- Hã?
- Uma folha em branco... é um convite e tanto, não acha?
Ela consentiu com um gesto e sem nenhum entusiasmo, mal suspeitando que tratava-se dela.
Ele apertou entre os dedos a folha de papel e impregnou de sua lisura os sentidos. Virando-a delicadamente, como se não soubesse o que encontraria no verso daquela página, ousou surpreender-se com o mesmo vazio, a mesma brancura, quando ela pousou os grandes olhos marrons delicadamente sobre os dele. Olhava de um olhar lento, demorado, como se pudesse compreender mais pelo tanto que lhe chegava aos olhos do que aos ouvidos.
Enquanto ela recolhia lentamente os olhos em direção às ordinárias tarefas do dia, um grito de pássaro ecoou dentro dele e, lançando à mão a caneta, pôs-se a escrever um poema antigo. A tinta vermelha ofereceu-lhe o acaso, pois tentou duas ou três canetas azuis e pretas que vieram a falhar. Quando terminou de escrever quis julgar se eram verdadeiros os versos, mas percebeu que, de revéz, o poema o houvera escolhido. Então seu coração aquietou-se por um segundo. Mas entregou-se novamente aos versos vermelhos e verdadeiros, agora escravos do papel, e num impulso de libertá-los, fez da folha um barquinho, atirando-o ao mar branco que se abria vasto a sua frente.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

entre umas e outras: pausa pro café?

pois acabo de te ler, querida. Me ver através dos teus olhos apertados foi como caminhar por um longo corredor de árvores altas e troncos firmes e, como se não bastasse a beleza do caminho, ainda ter a sorte de encontrar a passagem secreta da floresta com que sonhávamos em nossos tempos de meninice - aquela que nos traria de volta à casa, seguras e salvas, após uma longa aventura; então nos deitaríamos à cama e ao provar das gotas do chocolate que fervilha na xícara sobre a cabeceira, conseguiríamos aquecer, um pouco que seja, nossos corações desbravadores... Tão desbravadores que agora parecem por demais cansados.

(...)

Ando ausente, eu sei. talvez esteja apenas cumprindo o meu destino de ser só - E não por amor de menos...! Não por nada; esta queixa da vida é quase um vício. vou parar aqui... eu deveria era te dedicar uma canção alegre, fazê-la rir como naquele carnaval que tivemos ou ao menos ter a decência de retribuir o convite pro café. Isto sim, está feito: quer?

domingo, 31 de maio de 2009

adeus, adeus meu rouxinol

querida,

O teu adeus era tão certo que quando bateu em minha porta o relato do teu último ato... Eu já sabia o que era. Não precisaria de mensagem alguma, bastava vê-la para saber que as malas sempre estiveram prontas - apenas o destino era dúvida. Quantos mares foi preciso desbravar para saber o porto de sua morada? Taí coisa que ninguém poderá medir, porque esta aventura da descoberta de si mesma é íntima a ponto de não ter nome. Alice, há algo que sempre quis saber a seu respeito e me dediquei a observá-la mais de perto na tentativa de desvendá-la... O teu segredo ainda não sei, mas sinto. E senti-la tem sido de alguma gravidade e convicção inquestionável: o momento singular entre o rufar dos tambores e o salto triplo mortal do acrobata. Maestro: dê-me a canção derradeira que hoje a noite é de gala... e Despedida.

Um abraço de desenho animado com braços elásticos do tamanho do mundo.
tumtum-tumtum-tumtum-tumtum!!!
Sabe, Alice, não imaginava andar tão só. Seu anúncio de despedida me pôs no olho de um furacão, onde tudo é vento e imobilidade. Não bastasse isso, os anos me colocaram à porta, todas as manhãs, garrafas de leite, pães frescos e o jornal diário. Poderia não as ter bebido, não os ter comido, jamais ter lido. Mas alimentaram meus dias, construiram minha história os periódicos; paguei por eles e minha obrigação é calar. Acontece que já não sou aquele e por isso me sinto estranhamente só. E agora, sua coragem (eu sei que há medo, mas sempre há, e o que fica é a história dos que seguiram, apesar dele) me coloca em xeque. Porque queria ser como você, apertar os olhos na direção do horizonte, escolher um pouso distante, abrir as asas e atirar-me no vazio (é alta a torre do farol). Minha vontade é tamanha, um querer sem fim corre nas minhas veias, mas corro sobre trilhos. Minha fornalha arde em possibilidades, minhas caldeiras encontram-se em seu limite, sou pura potência, mas a máquina está debreada... e quando move-se, só os trilhos. Então, estou sempre à margem das mesmas paisagens e ainda que leste ou oeste ofereçam paragens novas, diferentes climas, geografias sedutoras, desafiar os trilhos não posso, porque não sei. Além do mais, aquilo que verdadeiramente somos não pode ser aprendido. Senão, ah, quantas lições desse nosso convívio já teria eu incorporado! Já não haveria trilhos, nenhum medo capaz de frear o desejo de seguir, livre; não haveria nada além de nossas risadas, feitas de matéria alguma, feitas de nós mesmos e de nossa humanidade... e o vôo, verdadeiramente.
Tudo que posso dizer cabe nisto: quando pousar os seus olhos sobre as montanhas do outro lado do atlântico, quando puser na boca o sabor distante de outra terra, quando brincar as canções de muito longe e abrigar-se no abraço do seu homem, quando pousar os pés no chão de sua nova casa, algo seu vai estar aqui, sorrindo em mim, apesar da torre, dos trilhos ou da paisagem.

Vai brilhar, Alice!

sábado, 30 de maio de 2009

quase-resposta

Faroleiro,

Já há muito que eu mesma não sei de mim; me arrisquei numa aventura de palavras encantadas que prometiam incendiar minha vida morna... Mas há coisas que precisam mesmo ser ditas, não basta estarem cuidadosamente desenhadas nas entrelinhas. Eu, quando tive a chance, calei. E o que levei pra casa foi a lembrança de pequenas faíscas entre um olhar e outro, o lamento pela estranheza do abraço último – a prova inconteste de que entre aqueles dois corpos a se despedir na esquina não haveria entrega senão a minha. Pois temo nada ter a lhe oferecer agora... O amor veio e devorou tudo; inundou tudo; quebrou tudo. Nestes tempos de silêncio e noites frias, eu apenas poderia lhe narrar o que não houve e, ainda assim, duvido que minhas verdades inventadas lhe distrairiam a ponto de parar o tempo. Aliás, pare o tempo agora e talvez sobre algum fiapo de delicadeza da Bailarina que um dia eu fui.

É inverno aqui.

sexta-feira, 29 de maio de 2009

Bailarina,

Daqui, minha torre,
cumpro meu destino de mirar.
O horizonte oferece-se lânguido e fácil
mesmo quando é tarde ou chove muito.
Trabalho, há pouco. Apenas o de alimentar o fogo do farol, cuidar que jamais se apague
e pouco olhar para ele, pois hipnotiza
facilmente os mais desejosos de mais.
Então, fatalmente, resta-me o horizonte, além das cartas. Algumas vezes há gaivotas e fico a examiná-las por tanto tempo que é possível mergulhar a alma nelas e voar. Outras vezes, o movimento dos cardumes me põe a sorrir, porque resumem o mover de tudo e neles soa a orquestra silênciosa do devir. O trabalho é pouco mas grave. Pus-me aqui por escolha, não se trata de queixa. Apenas constato aquilo que foi e é o meu caminho desde a última curva. A solidão é algo com o que se acostuma, como uma dor que jamais cessa e nos ensina a sorrir apesar dela. Mas não é de gaivotas, cardumes ou trabalho. É das cartas que quero falar. Sinto tanta saudade de recebê-las que não é possível explicar. Lembro de uma que li de manhã bem cedo... a neblina ainda baixa esperava os primeiros raios de sol para desvanecer-se; o frio nas lâminas de vento a aparar-me os ossos... e de repente sua voz soprava em emus ouvidos e podia ver seus lábios se movendo, olhos aparafusados nos meus. Tudo cessava enquanto lia. O mundo punha-se a esperar por mim, solenemente, enquanto meu coração ragalava-se de alegrias em saber, ainda que você nunca tenha escrito, que, numa manhã ensolarada de sábado, você comprou sapatilhas novas e tomou chá no centro da cidade. Uma outra releio sempre... também fala em gaivotas. Mas voce tem o seu destino, o seu caminho, o seu passo. E, talvez, nele não caibam mais cartas... por enquanto.

Um beijo, saudades,

Faroleiro.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Despedida prévia

Meus queridos, vocês que sabem quem são,

As discussões de hoje transitaram por temas como dignidade, fuga, humor, literatura, desapego, amor, busca, encontros... Aproveito o espaço, o convite e a chance para escrever, receber e endereçar-lhes cartas. Cartas de novidades, de satisfação, de saudades, de queixa, de compartilhamento, de amor, de frustração. Cartas de amizade, de cobrança, de resgate e de despedidas. Cartas de despedidas. Estou sempre de saída e de chegada, com as portas dos fundos e da frente sempre abertas. Se isso é fuga ou decisão previamente tomada, agendada, com firma reconhecida e legalizada, é uma questão de referencial. Não tomo minhas despedidas como fuga. As interpreto como um momento dado a determinadas circunstâncias. Tolero bem as distâncias, mas não aprecio o momento da aproximação de uma despedida.

Quantas cartas minhas encontram-se perdidas em gavetas e armários pelo mundo? Quantas foram rasgadas ou queimadas? Quantas estão perdidas em páginas de livros lidos, semilidos ou esquecidos? Quantas viraram rascunho, marcador de texto, papel higiênico, verso de receita de bolo ou de páginas de recados? Quantas ainda são mantidas em segredo? Quantas ainda encontram-se lacradas? Quantas foram extraviadas e não chegaram ao seu destino? Quantas foram roubadas?

Só sei que escrevo cartas. Essa é minha única certeza. Escrevo cartas para desabafar, desatar nós, mostrar que lembrei ou avisar que pretendo esquecer. Escrevo cartas para treinar a caligrafia, para testar canetas, para fugir do vício do computador. Escrevo cartas mais para que me amem ou me odeiem e menos para que me esqueçam. Escrevo cartas com a esperança de ser protagonista de um grande achado daqui a meio século. Escrevo cartas para amansar o pensamento e desafogar o coração.
Por vezes, escrevo cartas para não enviá-las, apenas para me conformar por tê-las escrito. Escrevo cartas para descobrir até quanto eu gosto ou desgosto das coisas, até onde posso, até onde gozo ou sofro. Escrevo cartas para liberar minhas limitações, para conhecer e descobrir as pessoas e o mundo, para contar segredo e pedir sigilo.
Escrevo cartas para perdê-las.
E perdendo-as, esqueço que ao tê-las escrito posso ter chorado, posso ter sofrido, posso ter me entregado em demasia.
E encontrando-as, me lembro de passados, de histórias, de cenas inesquecíveis e de outras que, por precaução, evito rememorar.
Cartas, benditas ou malditas, polidas ou escrachadas, formais ou escatológicas, em papel de carta ou papel de pão, curtas ou longas, de declaração de amor ou de ódio, de descaso ou desespero... sempre são endereçadas a alguém. Esta é para vocês e isso já me basta.

Me despeço de vocês e desta carta com a pena de quem se despede de alguém querido, sabendo que com ele dividiu partes de sua vida e que, independente das cartas que deixaram de trocar no decorrer de suas vidas, entendem que o laço que os une é invisível, porém concreto.

Até breve.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Sombras

Ando cansado. Cansado de toda essa mentira que todos fingem não ver. Cansado desta herança que fui obrigado a receber e que finjo aceitar para que também me aceitem e então reguem meus pés com elogios febris, farrapos de um egocentrismo que me enjoa. Ando cansado dessa vaidade estúpida e emprumada que se disfarça de modéstia porque já não cabe em si mesma e ao transbordar respinga sobre os outros mascarada de um reconhecimento que não existe senão pela expectativa da reciprocidade, o que acaba mantendo todos no mesmo patamar de presunção e arrogância.
Estou cansado de tanta regra e rigor e preconceito e repressão, de tanta discussão inútil, de toda essa retórica infindável que não leva a nada além de uma falsa idéia de justiça e igualdade. Todas as respostas não passam de contradições Abstrações, o nada, palpites, o páreo na raia, sempre seguido de um coro de ignorância que diz amém. Falo de pessoas, de todas, sem esquecer que também estou subjugado a essa condição. Incondicionalmente humano me sinto frustrado. Nos usamos como baús onde depositamos nossos fracassos e esterilidade. Baús sem rótulo que, algumas vezes, numa mistura de desespero e esperança, acabamos abrindo para, no fim ou no fundo, nos decepcionarmos um pouco mais. Falo de pessoas cheias de perfeição, todas covardes na verdade, escondendo umas das outras seu lado mundano e censurável, tentando convencer a todos e a si mesmas de que são especiais, até imprescindíveis. Todas hipócritas. Não vou ser uma delas. Quero que o mundo mem veja como me sinto, um homem que não entende nada, que acorda todos os dias porque não há mais nada a fazer.
Vejo todos desesperados, correndo atrás de suas indulgências, preenchendo-se com o que não vem de sua essência. Essência que à primeira vista pode não parecer mas que acaba sugerindo diferenças. Não vou ser mais um deles, não quero o modelo pronto. Ainda não tenho minhas respostas mas as dos outros não me servem.
Ando cansado porque a vida me tirou do rosto o sorriso, me empurrou lágrimas olhos afora, me cortou de rugas a tez. E não sou velho, não, não sou mas me sinto morto. Apesar de tudo tenho esperanças porque me lembro que não fui sempre sombras. Me lembro de um tempo em que eu tinha as respostas.

Rio, 1992.
chega de andar às soltas
como um cão a lamber sujeiras
dos sapatos alheios

cada um tem nos pés
a sujeira que deseja

chega de andar às voltas
sem dizer o que impera
em mim quando enfio o dedo
na boca da moça feia

ela quer seu próprio dedo

chega de querer que sejamos
o que sonhamos
sonhar é afastar-se dos planos
somos o que somos: desenganos

Perdidos na selva de pedra

Em complemento e resposta a http://entreosimeonao.blogspot.com/

Era uma vez uma menina. Não. Há muito não era mais uma menina. Ainda que não sentisse dessa forma, já era uma mulher. E era daquelas fortes em corpo frágil, daquelas determinadas, cheia de vida, de planos e de ilusões. Era uma menina mulher, como tantas outras meninas mulheres, ou só meninas ou só mulheres que, por uma tolice ou desengano, perdeu a confiança em um dos pilares de sua vida. Ela acreditava que sua estrutura havia sido construída sobre bases sólidas de família, sociedade e indivíduo. E assim sentia com tanta firmeza que seguia, mesmo que passasse por intempéries, caminhos tortuosos ou abalos.

Talvez por excesso de romantismo, sofreu um choque de realidade, essa despida e cruel, a sorrir de escárnio para ela. Esse choque tinha um nome e uma forma grotesca. Tinha um tom de voz grave, até grosseiro. Tinha forma de gente, mas de gente má, com pernas, braços, olhos, boca e ouvidos maus. Acredita-se até que um dia tenha tido um bom coração. Um coração que agora bate num compasso ruim. É inacreditável que essa figura, como tantas outras figuras com formas semelhantes que perambulam por aí, pertença ao nosso mundo, ao mundo da menina mulher, ao meu mundo. Como essa mulher que em um dia específico chorou como uma criança, eu menina, hoje, também choro, ainda que mais contida e conformada.

Retomando o romantismo, esse que nos dias de hoje anda deveras esquecido. Talvez nas linhas de um livro antigo empoeirado ou nos corações ingênuos de jovens apaixonados. Decerto na memória de anciãos enternecidos e sem amargura ou na expectativa das mães de primeira viagem. Nem sei. O que sei é que andamos embrutecidos. E essa brutalidade advém de muitas fontes. Do excesso de trabalho, da falta de cordialidade e de delicadeza, da violência urbana, da inoperância, do desassossego, do desconforto, da intolerância, da intransigência, da aspereza das línguas, dos desafetos, de toda uma gama de situações que nos humilha diariamente.

Estamos fartos. E mesmo fartos, não encontramos forças para erguer os olhos e a cabeça. O que a figura grotesca quis e ainda quer é que andemos em fila, cabisbaixos, infelizes, sem ideais e posturas definidas. O que a figura grotesca quer é te coagir, é fazer você se retratar por ser mais capaz, mais inteligente e mais humano. Ele quer te maltratar e fazer você pedir desculpas pelo desacato. Ele quer mandar absurdos e fazer você obedecer. Ele não quer diálogo, não quer te proteger, não quer saber quem você é, não quer te ajudar. Ele quer submissão, identificação e retratação. Ele quer te autuar, ele quer te prender, ele quer te ver pelas costas. Tudo isso porque você pensou um dia que quando precisasse ele estaria a postos para te auxiliar, cumprindo o que manda a sua função. Mas não nos enganemos. A função dele nunca foi essa. Há muitos anos o mundo está pelo avesso e pelo avesso estamos nós, mocinho virando bandido, bandido virando herói.

Mais uma vez penso na menina mulher chorando. Quais são seus sonhos? A que ela aspira? A que se dedica? Será que depois do choque ainda deseja, ainda sorri?
Não quero pensar em dar o troco, em pagar na mesma moeda. Isso eu deixo aos imundos, que com as mãos sujas, empesteiam a alma e as ruas por onde passam. Se tenho que pagar, o farei com hombridade, pois apesar do pilar da sociedade ter falhado comigo, eu ainda acredito no indivíduo e na família.

Mesmo manca, sobreviverei.

terça-feira, 26 de maio de 2009

Eu sei, eu sei...

Esta carta segue em duplicata.

Para Alice e Bailarina,

Escrevi este poema faz muito tempo... e ele já era para vocês...


Eu não estive aí naquela vez
Você também não veio quando quis
A gente sabe que não é por mal
Viver é cada dia mais veloz
Há muito já não ouço a sua voz
Que deve ter mudado, eu já nem sei
Se a cor do seu cabelo agora tem
Mais grave ainda ou o mesmo velho tom
Talvez eu reconheça pelo olhar
Se a gente se encontrar e sem querer
Trocar umas palavras na estação
De uma linha futura do metrô
Com nossos netos pegos pelas mãos
Vou esquecer e você vai lembrar
Daquele ano em que, no reveillon
Nos encontramos lá na beira-mar
E eu vou falar daquele carnaval
Que na verdade ainda não passou
E vamos rir de novo pra valer
A gente, que se via todo dia
E ria junto até sem ter razão
Vai seguir, cada um pro seu lugar
Pela calçada larga, quase hostil
Numa quinta qualquer do mês de abril
Se o nunca mais não nos interromper
E mesmo se a gente não se abraçar
Que intimidade é coisa que se esvai
Com o tempo, este tremor que tudo rui
Um gesto vai fazer você saber:
Você andou comigo aonde eu fui.

Um beijo duplicado.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Querência

Faroleiro,

A minha urgência é tão grande que ao escrever chego a comer sílabas.
Tenho pressa.
Salto páginas.
Atendo mil telefonemas.
Respondo em monossílabos.
Respiro fundo. Profundo.
Suspiro.
Aspiro.
Raciocino, mas não penso.
Observo o mundo. Escuto histórias. Acho graça de tudo o que é sem graça.

Tudo isso porque ando em busca do descompromisso. Do ponto entre o vivenciar sem a entrega, sem um termo de responsabilidade. Não quero o laço envolvente que me enforca, que me prende. Não quero perguntas nem reclamações. Quero apenas ficar aqui, comigo, mesmo que o aqui não seja aqui, de fato. Quero entender meus pensamentos, avaliar minhas intenções, rever meus valores... sem interferências próximas alheias. Quero impor-me desafios para ultrapassá-los. Quero vingar-me da angústia com as minhas conquistas. Estou farta das manchetes, dos horários, da internet, da TV, do lixo nas mentes e nos estômagos, das crateras nas ruas e nos corações.

Todas as manhãs caminho alguns minutos bem devagar, contando os passos, divagando sobre essas e outras questões. Apesar da urgência que me maltrata quase que o tempo todo, sei que ainda tenho tempo suficiente para refazer esses trajetos.

Até quando? Não sei e, por hora, acho isso bom. Vejo com simpatia o caminhar sem a preocupação do precavido, sem a desconfiança do porvir, sem o medo da queda ou do fracasso. Com ou sem pedras, viver nunca foi fácil. Por isso não almejo a felicidade plena, posto que bem dito “a felicidade nunca é grandiosa”. Simplesmente prezo pela satisfação completa dos meus desejos, mesmo os mais inconstantes, os mais duvidosos, os mais sórdidos e/ou sagrados. Almejo somente por um sentimento de alcance, de capacidade, de honestidade comigo mesma, carregando a certeza de que, indiferente a todos os contratempos, eu tentei ser íntegra com quem eu me importo e, de uma certa maneira, com quem se importa comigo.

Um beijo.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

"A felicidade nunca é grandiosa", disse, e foi como se empurrasse o primeiro dominó da fila de pilares delicados que houvera posto de pé geometricamente organizados de maneira a formar uma linha sinuosa e aparentemente algébrica. Precipitando-se uns sobre os outros numa sequência veloz e misteriosa alardeada pelo retinir que os choques subsequentes produziam qual o som de uma engrenagem de máquina, cairam.
Como uma cascata de fogos que revela um dia dentro da noite todas as perguntas que perseguira olharam-me sorrateiras e brilhantes: luz! e soube que jamais seriam respondidas. "Pois que a felicidade, então, não é apenas uma pausa?" Tentei continuar a ouvi-las mas era tarde "O intervalo entre uma refeição e outra? Comer: rasgar, cortar...", foram ficando cada vez mais distantes suas vozes "triturar, deglutir... aguarde outra fome, Ela virá..." Desandei a monologar em silêncio, esquizofrênico, arremessado a um tempo indistinto mas no espaço profundo onde existia sem que nenhum par de olhos jamais houvesse pousado sobre mim.
Ave dor! Adie-se toda autopiedade! Cancelem todas as indulgências! Eu quero o sortilégio dos pecados, o fogo das profundezas já arde em mim, não há nada a temer! Deixo as máscaras para os anjos (e outros seres do céu) e tomo nas mãos a espada! Dela viverei e, sim, por ela morrerei, tantas mortes quanto forem necessárias para que a Terra esqueça meu sobrenome e engula para sempre os meus gens. Quero mentiras e culpas três vezes ao dia, os fins à frente de tudo. Sob o comando do ego, este pirata, avante! Mandem-me os caçadores, devolverei suas peles. Mandem-me doutores, devolverei-os moribundos. Mandem-me papas, pastores, devolverei-os demônios. Mandem-me menininhas puras, devolverei-as putas. E felizes. Putas felizes e saudáveis... e rosadas e vivas, como flores nas manhãs febris de um janeiro esquecido. Que o mundo despeje à minha porta provisões sem fim de tempestades, tormentas, a presença sombria de temores inúmeráveis, o sentimento implacável de transitoriedade, prescindibilidade, insegurança, dúvidas e interrogações de fogo. Medo, medo, medo... e prazer, todos os desejos satisfeitos... enfim a felicidade...
e então...

"me passa a farinha, por favor"

... o monólogo cessou.

terça-feira, 12 de maio de 2009

laboriosa língua leva-me alto:
ouço com os olhos, falo co'os dedos
mas como houvesse mais do que segredos
a segredar, invento outro salto

não é bastante a letra sobre o prato
pousado à mesa raso, frio e branco
palavra negra feita escrava, presa
à folha de papel, pergunta quando

deseja sequestrar a boca, a voz
montar como um vaqueiro e em seu cruzado
rasgar páginas feitas de caatinga
e declamar espinhos libertados

mas onde ando as ruas são de asfalto
cavalos hoje são feitos de aço
disparam todos, por demais velozes
e eu cavalgo, eu troto, lento e lasso

desejo andar às voltas de mim mesmo
e mergulhar nas águas de outros rios
o meu relógio é este aqui de dentro
abrigo de segundos infinitos
partido tantas vezes e batendo
ainda o Sim, encosta no meu peito,
e escuta: Sim. Sim. Sim...

o mais é nada

Revisão Astronômica

Plutão
Planeta anão
Planeta não

(Por Gabriela)

outra vez

Alice, querida

Foi como quem atravessou um longo túnel que recebi tua mensagem; tanta luz que a claridade incomodou os olhos, mas depois foi festa. Festa de lua cheia com fogueira, cantoria e noite quente... Se tivesse um rio perto, destes de águas calmas, juro que mergulhava. Porque o mar, Alice, o mar é traiçoeiro. Ao mar entreguei meu coração, encantada com o vai-e-vém da maré, quando tudo era só brincadeira de molhar a pontinha dos dedos n'água fria e correr da onda grande. Devo mesmo ter me distraído; só sei que meu coração está alagado. Mas não quero contagiá-la, prefiro ter meu dia aquecido pelas tuas palavras. É bom caminhar outra vez pela praia e respirar ar puro. É bom olhar o horizonte e sentir que a brisa fresca do oceano ainda me causa arrepio. Não sei como viver uma vida morna e, não importa a gravidade dos ferimentos, serei sempre aquela a mergulhar em sonho e ternura.

Me escreva mais.
Escreva mais.

Preciso um pouco da sua força até poder caminhar sozinha outra vez.
um beijo das estrelas.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Lua cheia

Não farei questão de te explicar minha ausência. Ela é autoexplicativa, pura, simples, clara e límpida. Não tentarei devanear sobre minhas incongruências, minhas lástimas e descrenças. Não retornarei ao óbvio, este corriqueiro modo explicativo de todas as coisas de pequena importância. Busco o que apesar de complexo, me pareça ordinário e descomplicado. Busco a novidade de cada dobrar de esquina sem o susto, apenas com o novo gosto de uma aventura. Por tudo isso, que aos olhos alheios parece tão pouca coisa, te apresento minha ausência. Uma ausência branda, quase conformada. Daquela que me paralisou por um longo tempo, que não me despertou ideias nem sentimentos. O que me salvou foi te ver, lua cheia, ainda subindo, luminosa, grande, lá no céu. Senti o raio de uma alegriazinha entrar em mim. Independente do dia, da rua, da poeira, do ruído, das pessoas, da conjuntura, do grito, da discórdia e de tantas outras denominações explicativas vãs, você, lua cheia, me estapeou a cara com um espetáculo de realidade que eu já tinha me esquecido.

- Ei?! Eu ainda existo. Não me desmereça!

E foi subindo aquela ladeira (como fiz muitas outras vezes) que me coloquei fora de tudo aquilo que me atordoava e consegui visualizar o propósito mais distante, porém mais grandioso. O de ser única em meio ao meio homogêneo que vive nas linhas que me margeiam. Logo deixarás de ser cheia e te tornarás minguante e nova. Pode ser que me encontre novamente na mesma rua com a mesma descrença, o mesmo corpo cansado, um pouco curvado pelo peso do mundo, o andar lento quase arrastado... Te peço que, mesmo assim, não canse de me mostrar que ainda existe, que voltou a estar plena e cheia de luz, me ajudando a iluminar além dos pensamentos, a famosa ladeira dos pés calçados cansados.

terça-feira, 5 de maio de 2009

segunda-feira, 27 de abril de 2009

ma petite parisienne

O meu instante-já tem lugar no tempo que só eu sei a medida da espera e o tanto do sentimento: 52, Rue Saint Maur - Paris, entre a Place de la Republique e la Bastille, ela toma um café e me escreve uma carta. Numa avenida qualquer do Rio de Janeiro, entre a pausa e a pressa resolvo me distrair com a correspondência; eu (te) leio... E lembro. Sou apenas lembrança e saudade, um coração suspenso em longos tecidos de cor vermelho-vibrante: a alegria e o conforto de se saber amada. Estou só e nas alturas, leve-livre-leve... Tão livremente só. Tão minha que já não sou corpo, sou vontade e luz. A carta, a letra, ela, eu: encontro. Nosso encontro. Te esperarei sempre, tantos forem os mil-dois-mil-instantes-já que nos separam e unem, au même temps.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

pedras
feitas de mim
sobre os ossos seu peso
e nos pés seus estragos
produtos do que fui
são o que sou
e sua carga
em meu sem jeito de carregá-las
ao sopé da montanha
parece mais grave

parece-me a hora de alimentá-las
preparo o alimento
reparto
separo a parte mais nobre
sirvo a todas
esfria meu prato
e a fome disfarço
sorvendo momentos

há medo
e muito as protejo de tê-los
bastam a mim
eu os trato
a elas reservo o leito
dos rios, calores da tarde
o toque da relva
visões de um vale
ensolarado
planejo
a verde humidade
brotar

há medo

calculo nossa escalada
passo a passo preciso
o ritmo de cada passada

em vão, matemática
é nada

trago os ombros já esfolados
as pernas lerdam cansadas
e há ainda o que não se pode
controlar: tormentas
animais vorazes
avalanhces
tempestades
a velocidade do mundo
ao mundo cabe
determiná-la
sou apenas pedra e
minhas pedras a carregar
sigo
subo
rumo ao cume
piso em falso
perpasso
o peso é demais
resvalo
no limo de outra pedra
e caio

e minhas pedras
tão bem cuidadas
à custa de dores
escaras e noites
em claro
caem

sem que eu possa
ampará-las

depois do susto
nada (dizem)


só uma lasca


e uma mágoa

para Julia


sexta-feira, 10 de abril de 2009

sob o céu de vidro

outro dia escrevi uma carta de amor. não parecia, mas era exatamente isto: uma carta de amor. a letra miúda a se espalhar pela folha arrancada do caderno, pintada de marrom e traço fino. nem sei mais o que eu dizia no bilhete, só sei que era amor. e dos grandes. daquele que espera com sorriso, abraço e convite. daquele tipo encantado - o amor que entende. entender é importantíssimo... e bonito. bonita era a menininha que me distraía do ofício da escrita naquela tarde; ela mal equilibrava o corpo e danava a correr sob o céu de vidro em que estávamos. havia outros, mas eu estava apenas para duas coisas: a carta e a menina. ela estava para uma coisa só: correr. já faz tempo alguém me disse: letra pequena é coisa de gente sem ambição. pois nunca mais esqueci e, algumas vezes, temendo que o outro duvidasse do tamanho da minha vontade, forçava escrever grande, mas pela força não saía direito... então fui deixando a letra grande, a letra menor, a letra. (...) a menininha corria todas as vezes que tinha chance; era só alguém se distrair e ela ia, atrapalhada e feliz. pois rabisquei outra vez o papel e, na primeira tentativa, achei que não podia mais escrever. a sorte - e ultimamente tenho mesmo achado que é sorte - é que era uma carta de amor. e amor quando a gente sabe que é, o outro sente. e acha bonito. e entende.

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se escrevo pequeno, é só para caber.


segunda-feira, 6 de abril de 2009

Passos

Mais uma vez ela dizia adeus. Um adeus consciente. Um adeus certo de que aquela era uma decisão acertada. Poucas horas depois, ela volta, sorri e pede desculpas a si própria. Teve pena do afastamento. Teve pena de si. Foi um impulso, bem o sabia. Mas preferiu não evitá-lo. Rendeu-se, mais uma vez, àquela sensação estranha de desesperadoramente querer partir e irremediavelmente decidir ficar. Não se arrepende. Um coração fraco sabe de suas angústias. Se aquieta e se deixa levar. Se deita. Repousa. Fica por um momento em estado de graça. Não sabe se está desperta ou se dorme. Mas mantém os olhos fixos, perdidos em uma tela que já não lhe diz coisa alguma. Suspira. E sente outra vez o conforto de saber-se querida. Mesmo que esse sentir dure apenas algumas horas de toda uma semana. Passam os dias. Passam as horas e os minutos quase se arrastam, moribundos. Hoje, tudo o que ela queria era que o dia passasse. Para mais uma vez fechar os olhos e esquecer. E depois lembrar. E sorrir. E quase dormir. E em um possível sonho, receber a resposta que tanto buscava. A de que se havia pecado e se ele realmente existia, não foi por maldade sua. E se "não há castigo para a fatalidade", que ela seja a culpada pelos pecados do mundo, inclusive pelos meus e que a "Santinha dos pés pequenos", remediadora de todos os males, permita que eu também vá para o céu, se assim o desejar. Resta saber se é possível ir para o céu, sem necessariamente morrer. Porque pequenos como os pés dela, tenho os meus e apesar de alimentar uma ínfima esperança pela redenção, mais medo tenho de encontrar-me de pés pequenos juntos no céu do que de viver confundida no calor do inferno. Pelo menos sem os pés juntos, eu que não sou bailarina, posso atrever-me a alguns passos, não?

sexta-feira, 3 de abril de 2009

oração da bailarina

Para qualquer Santinha dos pés pequenos.

Santinha, quando eu morrer eu quero ir pro céu, porque o inferno é quente e faz de mim alguém que peca sem nem saber... É intuitivo - o corpo vai, simplesmente, e não há castigo para a fatalidade.
Lhe suplico que venha me buscar com a ternura e a leveza de sempre, mas aviso dos perigos da empreitada pois haverá, estou certa, outros à minhas espera não tão bem intencionados quanto você. Sim, sim - reconheço que infringi certas regrinhas mas, infringindo-as, fiz alguém feliz e isto conta, não é? Deveria...
Santinha, não estou sendo intrometida nos assuntos Dele, mas já que amei e fui traída, e traí outros que me amaram, e toquei - ora com maldade, ora com devoção - e fui tocada por mãos menos puras e ainda mais desmerecidas, então está tudo matematicamente compensado. Foi assim que aprendi e o que vale, na hora H ou no dia D, é o que se sabe no ato.
Quero ir pro céu, quero muito e prometo me comportar. Juro de pés juntos e mãos para frente: este o único modo que conheço pra não roubar na promessa. Eu posso fazer graça pra outros santos e ficamos todos rindo distraídos na eternidade. Que tal? Posso também falar alguns versinhos que sei de cor e ensaiar com você passos novos pro Ballet das Nuvens... (aquele espetáculo que inventei nos meus sonhos, com orquestra de anjos e platéia de crianças sorridentes).
Tudo que sei é que eu sou boa! Sou mesmo, avalie: Eu cozinho pros amigos, compro pão pros meninos desabrigados da Glória, presto muita atenção na fala do outro, telefono antes para avisar da visita, telefono para desmarcar a visita, parto quando indesejada e fico quando querida, sou generosa e escrevo poesia e - principalmente, eu rio...
Eu rio o tempo todo enquanto choro em segredo. E se posso um gran-pliè de vez em quando é porque você me escuta e vela meu sono de bailarina namorada da tristeza...

Santinha, não esqueça, quando eu morrer eu quero ir pro céu.

clichê

Para todo braço, abraço
Para toda pedra, poeta
Para todo beijo, afeto
Para todo céu, estrela
Para toda água,sede
Para todo atraso, espera
Para toda carta, resposta.

Para tu(o)do SER, (um) outro.

segunda-feira, 30 de março de 2009

Qualquer coisa

Me impressiono sempre que leio você, mas não mantenho um diário. Quem duvidou da beleza do seu corpo nú não pôde ver nada direito. Estava cega. Deve ter os olhos feridos, cicatrizes profundas e noites mal-dormidas. Pensei em ser o novo, mas novidades logo acabam e, no encadeamento dos instantes reside uma história. Qual TEREMOS? Pensei também que você poderia me chamar do que quisesse, porque quero muito ser outra coisa, embora nada venha a me deixar alegre e, não sei, a você satisfeita. Minha única exigência é que não haja apartheids, porque com eles nada é inteiro.

Lembrei de um poemeto de um autor sem vergonha que eu sei de cor.

"Um é aquilo feito de dois
quando não há depois"



De cor,

?

Os nomes de Alice

* "...não se morre
uma só vez, nem de vez.
Restam sempre muitas vidas
para serem consumidas
na razão dos desencontros
de nosso sangue nos corpos
por onde vai dividido.
Ficam sempre muitas mortes
para serem longamente
reencarnadas noutro morto.
Mas estamos todos vivos.
E mais que vivos, alegres...
"


Sou feito de outros sangues,
reunidos em meu corpo e meu sangue, dividido em outros corpos,
misturado a outros sangues,
segue noutros, ainda mais distantes.

O nome que tenho deram-me. O dos meus, escolhi, tentando dar a eles outro destino. Afastei-os o mais que pude de mim mesmo, como se não fossem eu, também, a correr pelos gramados, a fazer estas perguntas, a temer e duvidar... Abençoada e Coragem.

Olha. Sou aquele menino pulando no gramado... e a menina que me interroga. Quando repondo não é para ela... é para mim que respondo, e em nome de todos que vieram antes, ainda que briguemos, ainda que neguemos o nosso próprio cheiro naquele velho de antes, ainda que as rodas, os risos, as mãos entrelaçadas já não se toquem mais.

Esta palidez, repetida em cada rosto, esta distância, devida, ainda que pareça injusta, é a força que nos põe adiante; é já a resposta que bradamos, a solução e a garantia de que eles também seguirão, quando as crianças voltarem a correr em volta de uma nova mesa. Então todo o riso será recobrado, a ciranda será recobrada, a alegria virá, renovada. E nossos braços, fortes, afeitos à luta, serão postos à prova. E esses mesmos braços, doces, feitos para o abraço, voltarão a abraçar.


* "Teu olho cansado,
mas afeito a ler no campo
uma lonjura de léguas,
e na lonjura uma rês
perdida no azul azul,
entrava-nos alma adentro
e via essa lama podre
e com pesar nos fitava
e com ira amaldiçoava
e com doçura perdoava
(perdoar é rito de pais
quando não seja de amantes).
E, pois, todo nos perdoando,
por dentro te regalavas
de ter filhos assim...
"


* Carlos Drummond de Andrade em "A mesa".

domingo, 29 de março de 2009

para os dois

Ando um pouco descompromissada com a vida e tenho me dedicado à leitura. Me impressiona quando leio uma frase que é minha mas foi escrita por outro; é como se eu tivesse um amigo que não conheço, alguém que me escuta e que me vê em segredo. Então sorrio compreendida e escrevo no meu diário aquela mesma frase, para jamais esquecê-la. Tenho também inventado estranhos hábitos. Às vezes acordo sem saber exatamente onde... Esta tentativa de experimentar novos gostos, novos corpos, novos tatos, tantos novos e novas me deixam exausta, pois é preciso muita concentração na coisa. Outro dia mesmo dormi numa cama nova e vos digo, queridos, que foi desafiador a perda da segurança de lugar, a perda da referência de casa: é como ser livre e não saber o que exatamente fazer com isto e, assim sendo, já não chamo de liberdade. Como está sendo novo agora escrever para vocês dois ao mesmo tempo, eu que sempre quis separar um do outro, como se separados eu tivesse um pouco mais de cada um e vocês bem sabem que eu quero tudo inteiro... Pois perceberam que esta carta tem tom sério? Será que esta sou eu, então, deixada de lado a roupa que me visto todos os dias e saio pra rua? Esta séria e ousada sou eu - me olho no espelho nua e até me acho bonita. Deve ser a maturidade chegando, qualquer coisa de aceitação e deslumbramento com si mesma, ou apenas uma preguiça conformista de domingo de manhã. Não, não é preguiça, é verdade. Sou mesmo bonita nua e estando certa disso penso que é uma pena ser privilégio de poucos (e de novos que esqueci o nome ao acordar livre). Talvez devesse andar nua pelas ruas - mas isto estragaria toda a beleza do privilégio, então é prudente não esgotar a surpresa enquanto É. Alice - não quero batizá-la outra vez porque perderia uma história boa de contar, mas poderei na nossa intimidade te chamar do que queira se isto te deixará alegre e a mim, satisfeita. Faroleiro-mágico-inventor: quer ser outra coisa também? Aproveita que estou para o novo e é o momento certo de escolher, só não pense que o que TEMOS, simplesmente vira passado quando se decide o futuro: no encadear dos tempos há um caminho. Estou enigmática ao dizer, e me vejo como uma estrela de cinema sentada de pernas cruzadas, um olhar blasè e um cigarro na mão esquerda. Esperem: esta fotografia não é minha pois não tem nada de nua. A cena é:

Mulher bonita diz. (Simples assim)

Vocês , por favor, sintam a paisagem como um lugar de beleza e verdade. E música - a que toca agora é assim: "Acabou chorare, ficou tudo lindo de manhã cedinho. Tudo cá, cá, cá, na fé, fé, fé. No bu bu li li, no bu bu lilindo, no bu bu bulindo..."

E acabou mesmo. Estou bem - para além das definições.

Sugestão (tardia) para a caixinha

sábado, 28 de março de 2009

sexta-feira, 27 de março de 2009

E depois de tudo, o desafeto

A alegria das manhãs de sábado. O jardim florido margeava as escadas de concreto. O banho de mangueira no quintal da casa grande. As pequenas reuniões em família. Os churrascos. O amigo oculto. Os primos em volta da mesa. As brincadeiras. A zanga dos adultos. Os tombos de bicicleta. O descobrimento das palavras proibidas. A escolha entre o gibi e o biscoito. O clube da madrugada. Os piques. As rodas. O riso.

A história da sopa de rosas vermelhas, de vez em quando, aparece para mim. Como também a do cabo do pente queimado e a da sigla do PDT escrita a lápis atrás do armário. Lembro-me bem da casinha de madeira pendurada na parede da casa de minha avó e de que, brincando de pique esconde com duas das minhas, ganhei uma cicatriz no lábio. São inúmeras as recordações. Mensagens de um passado que ficou guardado em uma caixa no fundo do armário, de um tempo empoeirado que parou.

Hoje, após a comemoração dos muitos anos cumpridos da matriarca da família, sinto que empalidecemos. Nunca estamos juntos. E quando estamos, nos noto distantes. Almas perdidas dentro de seus próprios limites e manias. Já não nos dizemos muita coisa e se dizemos é sempre da boca para fora. Nos suportamos e isso nos basta. Ainda que não devesse.

Hoje não há mais daquelas rosas. Tampouco os pequenos em volta da mesa. E nem aquela alegria. E menos ainda a ingenuidade. Não sei em que momento essa relação foi sendo enfraquecida, recortada, desmantelada, sufocada. O engraçado é que não sinto saudades. Ás vezes só um pouco de vergonha. Vergonha por participar desse circo de simulações e não reagir. Vergonha de não tentar responder à altura aos que estão perdendo o respeito aos laços e a memória.

E por um momento falávamos de uma solução, de um resgate.

A conclusão é a do conformismo com o não.

Não criemos falsas esperanças. Não há solução.

segunda-feira, 23 de março de 2009

É tempo de calar...Dizendo.

Ando mesmo recolhida, Faroleiro, é que estou esperando o
Futuro
que você me revelou noutra carta. Enquanto
Ele
não chega, dedico-me à uma nova aprendizagem: Faxina. Mas de verdade - não destas em que se pega tudo que não nos vale mais, se guarda numa caixa e, por preguiça ou apego, se encontra um canto para esquecê-la, como se esquecendo-a, ela não mais existisse. Porque troquei as coisas todas de lugar, a casa está às avessas e já não encontro nada facilmente. Imagina, então, o que acontece quando me chega algo urgente...

S-u-s-p-i-r-o: é difícil RESOL(VER) quando não se sabe ONDE a resposta está.

Pois inventei duas passagens secretas para estes casos:
ou dou outros sentidos para os nomes que sei,
.
.
.
ou esqueço o que sei dos nomes e fico apenas com os sentidos.

Me explico: Se estou com sede, ponho-me a procurar do que beber mas como baguncei tudo, não sei mais do lugar dos copos, das garrafas, das torneiras... Mas ainda sei o que é sede. E sinto. É nesta hora que vem a invenção: quando eu falo a palavra sede, o novo sentido que chega é o do desejo de dormir e então eu me deito (não importa se há cama) e a vontade passa. Às vezes isso não funciona e tenho que usar doutro artifício: apenas sinto o que é sede e esqueço o que é copo, o que é garrafa, o que é torneira, e, como não sei mas de nome nenhum, qualquer coisa que provo eu sinto que é água e a vontade passa também.

Veja que fato curioso: no mesmo dia em que o médico me disse que eu tenho uma cicatriz dentro do olho esquerdo, um moço que costumo ler escreveu que ultimamente tem passado muitos anos; Taí mais uma coisa para eu RESOL(VER).

Vou colocar no envelope um abraço pra você, Faroleiro. Ihhhhhh... Quando fui pegar o abraço já não estava ONDE e por não ter inventado nada para o tempo, ainda sei e sinto o que é pressa... Portanto, deixe-me ver o que tenho aqui por perto para lhe dar. Pronto: giz-de-cera....

Um giz-de-cera com afeto pra você,

Menina

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*Mesmo mudando as coisas de lugar, da caixa dos afetos eu sempre saberei: Está dentro. Infelizmente.

Reinvenção

Menina,

A única certeza que tenho agora é a da fluidez. A certeza de um mundo concreto com bases fluidas. Situações passageiras, quereres pueris. Está certo, somos volúveis. Você e eu. Eu e eles. Ele e elas. TODOS, instáveis, girando e misturados. Histórias entrelaçadas, como as línguas, como braços e pernas. Minha cabeça anda torta. Noites mal dormidas, ecos de risos e vozes, sensações induzidas, olhares de grandes olhos. Também tenho coisas para te dizer. Mas todas também sem forma e sem nome. Assim nos entendemos, menina. Assim nos entendemos. O que tenho para te dizer cai no âmbito do senso comum, da rotina ordinária. Mas são sensações só minhas que quero compartilhar contigo. Ainda assim elas não têm nome nem apelido. Não provêm nem dão frutos, posto que são temporais. Amanhã vem outros e depois outras e outros. Ontem sim, hoje não. Amanhã... fluido. Acho que estou confusa. Me reinventa mais uma vez, menina! Me relativiza?! Me batiza de novo?

Esses dias alguém ouviu meu coração bater. Impressionado, me perguntou:
- É sempre assim?

Não respondi.

A pergunta que eu me fiz e que ainda ecoa é:
- Será este também passageiro?

tum-tum, tum-tum, tum-tum, tum-tum, tum...

domingo, 22 de março de 2009

Alice: Não tenho carta para responder, mas escrevo do mesmo modo. Tampouco tenho novidades, a não ser a quase certeza de que elas não existem: é tudo invenção da gente. Como recém-inventada é uma palavra que quero te dar, chama-se: (?#&*!). Ainda não sei como escrevê-la, nem a que idioma pertence. Mas tem sentido, ou melhor, tem 3 sentidos: tem cor - é verde, tem cheiro - de canela, tem calor: é de morna pra quente. Falta ainda definir a forma, mas é bem capaz que seja grande. Você bem sabe que tendo para o exagero... Deve ser por isso que estou sem fôlego para prosseguir. Aliás, acho que me calarei por um bom tempo.

sussurro: no silêncio se pode ouvir o coração bater! Cada batida é uma frase secreta que só o do outro entende. Parece que tem mensagem pra você...

tum-tum,tum-tum,tum-tum, tum-tum...

quinta-feira, 19 de março de 2009

Ballet Oracular

Uma mentira surda e intangível.
Uma mentira que não cabe em esferas e movimentos elípticos, revelada no desejo imóvel de girar... uma mentira imaculada pela fome de esperar: Futuro, vinde! Eis a única mágica que se pode inventar, ainda que nenhum poder faça-se provável... nenhum querer necessário, nenhum contato enigma. Oráculos são para os que respeitam as placas, para os que param à porta em busca de respostas (perdoe-me a amolação dos mistérios), mas uma porta o que é senão um convite, ainda que esteja trancada? "Trouxeste a chave?", menina? É sempre um contvite. Quando a música parar, mágica: Futuro (é com F maiúsculo mesmo), vinde! ...e outro alguém se chegará... e dará corda na vida da gente.
Brutalmente.

PS: É dentro para onde correm.

segunda-feira, 16 de março de 2009

entre o filó e a sapatilha

Faroleiro, tomei a decisão mais importante: Serei bailarina. Bailarina destas de caixinha de música: os braços delicadamente erguidos, o tronco reto e esguio, o rosto humildemente inclinado em sinal de serventia, o olhar concentrado e singelo e, ainda como se não bastasse, serei apenas leveza sustentada na pontinha dos pés. A caixinha será minha morada; não esperarei heróis nem príncipes, pois bem sei que maior amor encontro naqueles de coração ferido. Tampouco estará a porta assim tão sem impedimentos! É provável que faça um enigma: para aonde correm as meninas? Uma vez aberta a caixa, a última prova: o primeiro contato entre mãos(do outro) e corpo(o meu) deverá procovar o mágico arrepio - a mistura indizível de prazer, respeito e encantamento. Se não for isso, então nada feito; nada de música ou dança. Porém, uma vez despertado o corpo casto, terá - o eleito - o convite eterno para o meu balé íntimo de amor e desejo.

domingo, 15 de março de 2009

deles

Ele: por que, ao falar meu nome, toda vez você faz uma pausa entre uma parte e outra, como quem passa por um paralelepípedo?

(6 minutos)

Ela: é o tempo de um mergulho, ora.

(...)

sábado, 14 de março de 2009

da série 'lo que aprendí con las mariposas':

FUI EU

te dei essa língua
de sentir amargos
e a pele fluida
de arrepios-apelos
arei horizontes
de perder passados
replantei afagos
de enfiar os dedos
garota, teu cheiro
meu caso
na boca da tarde
segredos
ensaios de medos
alheios
ficou tudo nosso meio
nada feito
feito nada fosse mesmo
nosso enredo


Rio de Janeiro, 11 de outubro de 2007

da série 'lo que aprendí con las mariposas':

No reflexo quase somos
um casal
a não ser pelo fato de
não sermos
sob as lentes
do arnette falso, meu disfarce
algo verdadeiro sente
falta
de ouvir seu sim
com mais frequência
ganhar um olhar
quando se afasta
mas você
tem suas lentes
caras
o Sol poente confere
ao reflexo
ares de tela
a cidade passa veloz
por nós
emoldurada na janela
no vidro vejo uma cena
parece um casal de cinema
você bela
sonha uma conversa
pro dia seguinte
seguir
eu já não valho a pena
sinto coisas de cão
impulsos de perseguir
domar, mordê-la
covarde
o amor é essa coisa
pequena
a falta que a gente sente
de um papo de fim de tarde
a música que se reparte
enquanto não chega
a hora
de descer


Rio de Janeiro, 09 de outubro de 2007

da série 'lo que aprendí con las mariposas':

PARALAXLOVE

Não ser digno de nenhum amor,

meu projeto



A quem puder dar, tomar,

em grandes goles de estio,

o que houver de mais quente



E no poente da tarde, ou da vida,

partilhar sempre a mais fria

i n d i f e r e n ç a



Desse vazio, minha entrega

sem esboço de mínimo gesto

ou vestígio de qualquer som...

dessa ausência, que é minha

melhor oferta,

colher a noção exata do Não,

isso sim, de todas as coisas,

a coisa mais certa



Para ser, fielmente

(os olhares se perdem quando os olhos apontam na mesma direção),

à margem do que não é dito,

o oposto do que persigo inerte



Até não ficar

nada de bom


Rio de Janeiro, 29 de setembro de 2007

da série 'lo que aprendí con las mariposas':

não alcançar
é estar
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Rio de Janeiro, 19 de abril de 2007

Se Ana(lia) não quiser ir eu vou só...

Já não sou aquela que ontem, segura da limitação da sua própria existência, disse - em voz alta - que dar conta das imperfeições do outro era esfera do divino e portanto, ao corpo (bicho faminto que é), caberia apenas a tarefa de escolher uma presa do tamanho da sua vontade, ou MAIOR. Eu estava embriagada de chá àquela altura e espero que isto sirva de argumento quando confrontada com o dono do formigueiro... À parte minha defesa, acho mesmo que você, Faroleiro, é um mágico-inventor: lux sub illa umbra! shhhhh...

Terra à vista: diriam, aos pares, os corações domados.
Mar à dentro: eu digo (só) - só porque eu sei.

Mas hoje não estou para a poesia... A gota do mar é só a gota do mar; nem por isso fico triste. Por sabê-la assim, faço dela o que eu quiser. Aliás, eu tenho um barco à vela e lá fora parece que faz sol: lux sub illa umbra! shhhhh...

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PS: "...Eu vou só. Eu vou só sem Analia mas eu vou. "

lux sub illa umbra

Menina, tudo é mar e vento a nossa volta. Escuta: shhhhh... é tudo o que se pode ouvir: sal e segredos. Nada é tão sério quanto brincar e fazer algazarra e muito pouco vale a pena além do selvagem em nós. Todas as noites o amor nos colhe (a despeito de quão profundas possam ser nossas raízes) e nos traz para dentro. Quando despertamos estamos nús e desertos. Há muitos portos, eu vejo, mas sabemos: a sede de toda embracação é navegar. Olha sem gravidade aquela gota de mar: é a mesma gota que transbordará delicada de nossos olhos sempre que as mãos se soltarem; a mesma que corre apressada em nossas veias... sem que nenhum mapa seja necessário para que ela siga o seu detino de nos ser... ora mares, ora menos, ora não.

sexta-feira, 13 de março de 2009

mensagem escrita na penumbra para que não seja descoberta antes de chegar ao seu destino

Faroleiro: você sabe guardar segredo? Pois vou te dizer algo sério: Meu coração é uma terra selvagem. Faz muito calor de noite, tanto que é preciso se desfazer das roupas e deixar o corpo brincar com o vento. Se descuidar, o amor vem e te pega, te leva pra cama com tanta delicadeza que você vai sem nem saber que sutilmente está sendo arrastado. Tem mar no meu coração. Atenção: Mar não é rio, rio é pra gente que não se arrisca e quer nadar em águas calmas. Meu coração é terra viva, é preciso bravura e firmeza de caráter para explorá-lo. Mas, uma vez dentro, só finca raízes quem fala baixo e passeia de mãos dadas. Meu coração não tem mapa! Não tem caminho - é (des)caminho, aliás. Meu coração é selvagem, apenas quer, apenas é...Segredo.

quinta-feira, 12 de março de 2009

Dia desses recordava outros passados (são tantos que muitos perdem-se, irremediavelmente). Íamos eu e Alice no ônibus, a luz difusa do fim da tarde cegava-me e, cego, lembrava melhor e, com a memória correndo mais fluida, modulava qualquer coisa harmoniosa e delicada. Invencionice, pois trata-se sempre de inventar - "A memória é uma ilha de edição", lembra, Waly?. No caso, inventávamos nomes. Éramos amigos e para sempre. Éramos muitos... e inventávamos nomes. Achavamos que nossos nomes não se pareciam conosco. Soavam sempre antiquados, pouco vivazes para o tanto de vida que não podíamos conter. Então, no ônibus, cego e saudoso, imaginava um nome para Alice, mas perdi-me - pura sorte: jamais chegaria a Alethia, "a verdadeira". Ao menos cheguei a você, impronunciável e sem chá, enquanto seguíamos por caminhos distintos e afins... repletos de nomes... e flores... e pedras.

faz um chá pra gente, Alice?

Estava pensando num nome pra te dar e escolhi este: Alice, espero que goste, pois. Minha pequena: me provaca um riso casto - estes do cantinho da boca - toda vez que penso no quanto tua inquietude te deixa quieta. Eu, tão acostumada à sua agitação de mundo, fico um pouco perdida no teu silêncio contemplativo. Você me falou de um tempo que já quase não me recordo, embora tuas memórias cálidas ressoem no meu peito como uma canção antiga que, mesmo sabendo apenas a melodia, a sensação é de nostalgia por alguma boa história...
Olha que bonito um passado que inventei para nós duas: em plena quinta-feira útil, ficamos sentadas na varanda de muito verde e muito frio ao redor. Nevava - mas era neve da boa, destes flocos que não esfarelam com o vento. Você me fazia rir e eu te olhava com olhos encantados. Ficamos assim por horas, alegres e completas. Tinha momentos que calávamos, calávamos tanto que podíamos ouvir nossos segredos sem pronunciá-los. E, quando deste instante - eu, prudente e sorrateira, te dizia: faz um chá pra gente, Alice?

Passado o passado, te digo: faz?

Um beijo.

havia uma flor no meio do caminho

Eu estava distraída na janela vigiando a chegada do correio. A encomenda que recebi não era a sua - você atrasado, a carta (a outra), fatalmente entregue no momento exato da espera. Ora, meu coração cansado não resistiu à euforia de uma delicadeza em prosa e se permitiu, outra vez, ser aliciado. É claro que o afago desejado-perdido-encontrado teve o efeito de brisa a refrescar o pescoço em dias quentes – ainda que o elo entre vento e corpo seja mais passado que vontade de agora. Depois do arrepio, o que fica é um papel borrado de suposições e nenhum sentido se não o da tolice infantil de se distrair com o presente envolto em laço de fita quando, considerando a natureza daquilo que se quer, não deveria nunca estar embrulhado. (...)
Mas já te digo, Faroleiro, que estou recuperada da minha frágil vaidade; Voltei para casa em tempo de te receber e me aprontar pra festa de nós dois – você, gelo-correnteza, eu, vento-oceano. E quando eu ficar cansada de tanta alegria e cor, só saberei de dormir tranqüila ouvindo o dedilhar do seu violão mudo.

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Ah! Havia uma flor no meio do caminho, mas eu nem sei mais como ela chama.

quarta-feira, 11 de março de 2009

Poema para que não cesse

nada cessa com o não

a pedra não importa

ainda que cesse

discorde

pedras não interrompem

o caminho

o poema existe e atesta

'Tinha uma pedra...'

o verbo concorda

'... tinha uma pedra'

ainda que cesse

discorde:


depois do 'se', o 'senão'

Desabafo

Menina,

Desculpe-me pela ausência de notícias. É que passei por dias um pouco atribulados. Como sempre é bom receber notícias suas. Mesmo que elas sejam em forma de um breve bilhete com uma leve chamada de atenção pela minha ausência injustificada. Estou tão inquieta esses dias... às vezes me vem um desânimo sem fim, uma vontade profunda de dormir e deixar o sonho me levar para um lugar mais calmo. Outras vezes, tenho rompantes de ansiedade e faço muitas coisas ao mesmo tempo. Corro mais do que devia, penso, ajo, corro, paro. E outra vez corro mais do que devia, penso, ajo, corro, paro. Até desanimar novamente. Oscilo entre essas sensações e vou levando a vida. Lembrei dos tempos de Andaluzia, da vida branda e lenta. Do andar de bicicleta na chuva, deixando empapar as roupas e de ir batendo os dentes de frio até chegar em casa. Apesar de tudo, livre. Lembrei também das tardes pós-colégio, quando adolescente, em que saía às pressas da escola para encontrar um amor primaveril. A deliciosa sensação da descoberta e do proibido. Quem poderia saber? As festas de minha cidade com os antigos amigos, com os quais hoje tenho pouca ou nenhuma identificação. A subida em uma montanha cheia de neve. A falta de ar. O cansaço. E lá no alto encontrar os braços do companheiro-namorado, que te guia com carinho, graça e devoção. Perder-se por ruas desconhecidas. Achar-se nos símbolos e nas lembranças do que já se encontrava dentro, mas faltava ser tocado. O prazer do retorno. De abraçar alguém querido. De chorar de rir. De encontrar um olhar te olhando. São memórias de um passado saudoso e ainda próximo, mesmo sabendo que já me aproximo dos 30 anos. Calma, ainda há tempo. Apesar da saudade, estou bem. Bem de verdade. É certo que ainda há muito o que melhorar, mas não me queixo. Como a maturidade, a plenitude chega devagarinho. E devagarinho divagamos nós sobre sentimentos, sensações, experiências, lembranças... Até onde a memória alcança, até onde o coração aperta e o corpo suporta. Até onde a pena alcança, até onde o calo aperta e a vida suporta.

Perto demais.

Há pouco bebia do livro que não me emprestastes. De súbito tive a clareza de que jamais o devolveria. Não pela riqueza dos poetas, da vida verdadeira que corre por aquelas linhas (são cartas infinitas), mas pelas mãos que o percorreram, pelos olhos que buscaram ali algum sentido, pelos sentidos todos convertidos à palavra, bendita e bela palavra alheia. Então, acabei aqui, no meu posto de operações, breve e inútil. Perdoe-me o mau uso de tua sensibilidade. Vou passar ao violão, que só me permite a palavra misteriosa. Acho que jamais serei compositor.
Um beijo.