quarta-feira, 20 de maio de 2009

"A felicidade nunca é grandiosa", disse, e foi como se empurrasse o primeiro dominó da fila de pilares delicados que houvera posto de pé geometricamente organizados de maneira a formar uma linha sinuosa e aparentemente algébrica. Precipitando-se uns sobre os outros numa sequência veloz e misteriosa alardeada pelo retinir que os choques subsequentes produziam qual o som de uma engrenagem de máquina, cairam.
Como uma cascata de fogos que revela um dia dentro da noite todas as perguntas que perseguira olharam-me sorrateiras e brilhantes: luz! e soube que jamais seriam respondidas. "Pois que a felicidade, então, não é apenas uma pausa?" Tentei continuar a ouvi-las mas era tarde "O intervalo entre uma refeição e outra? Comer: rasgar, cortar...", foram ficando cada vez mais distantes suas vozes "triturar, deglutir... aguarde outra fome, Ela virá..." Desandei a monologar em silêncio, esquizofrênico, arremessado a um tempo indistinto mas no espaço profundo onde existia sem que nenhum par de olhos jamais houvesse pousado sobre mim.
Ave dor! Adie-se toda autopiedade! Cancelem todas as indulgências! Eu quero o sortilégio dos pecados, o fogo das profundezas já arde em mim, não há nada a temer! Deixo as máscaras para os anjos (e outros seres do céu) e tomo nas mãos a espada! Dela viverei e, sim, por ela morrerei, tantas mortes quanto forem necessárias para que a Terra esqueça meu sobrenome e engula para sempre os meus gens. Quero mentiras e culpas três vezes ao dia, os fins à frente de tudo. Sob o comando do ego, este pirata, avante! Mandem-me os caçadores, devolverei suas peles. Mandem-me doutores, devolverei-os moribundos. Mandem-me papas, pastores, devolverei-os demônios. Mandem-me menininhas puras, devolverei-as putas. E felizes. Putas felizes e saudáveis... e rosadas e vivas, como flores nas manhãs febris de um janeiro esquecido. Que o mundo despeje à minha porta provisões sem fim de tempestades, tormentas, a presença sombria de temores inúmeráveis, o sentimento implacável de transitoriedade, prescindibilidade, insegurança, dúvidas e interrogações de fogo. Medo, medo, medo... e prazer, todos os desejos satisfeitos... enfim a felicidade...
e então...

"me passa a farinha, por favor"

... o monólogo cessou.

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