quarta-feira, 30 de setembro de 2009

A soma dos dias (gracias Isabel Allende)

Hoje:
30 dias,
4 semanas e dois dias
um mês inteiro
não sei quantas horas
quantos minutos e segundos
quantos suspiros
quantos pensamentos
quantas saudades
quantos planos

Hoje:
mais um dia pra...
pensar no amanhã?
ler?
tentar escrever?
outra garrafa de vinho?
dobrar mais quantas esquinas?

Hoje:
Faxina
Mudei os móveis de lugar
li parte de três livros
recebi e-mails
verei um amigo tocar sax

Hoje:
depois DO ontem
antes DO amanhã
porque cada dia deveria ser precedido de artigo definido
para ganhar sua devida e nobre singularidade

Hoje:
pensava não ter feito nada
mas depois de tudo escrito
já está de bom tamanho
por hoje

Mas e o mais?
Já era...
Agora só amanhã.
Que DO amanhã será O hoje.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

E ele disse:

- Com quantas tristezas se faz uma alegria?

E eu, egoísta que sou, só pensei nas minhas... Foi tão difícil chegar aquele ponto, eu que sempre desci ladeira abaixo estava, finalmente, a descansar sobre a grama verde. E pensei: ainda que fosse possível repartir alegria feito coisa concreta, como a metáfora do pão ou o milagre do vinho na santa ceia - eu, egoísta e agora pecadora irrecuperável, eu não quero ter que dividí-la. Me custou tanto! Foram tantas as lágrimas que me arderam os olhos que já estou cega pra todas as outras tristezas... Ou finjo que estou, simplesmente.

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.
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E toda noite me deito na cama aos prantos, vigilante da travessa de pão e vinho a repousar sobre a cabeceira.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Distribuição de segredos

Foi a partir de um e-mail inesperado e singelo que me bateu uma vontade louca de distribuir segredos. Pois bem, que hoje seja o dia de abrir o livro de não sei quantas páginas, deixar o pudor falar mais baixo e as vergonhas de lado. Foi a partir de um e-mail singelo que me deu vontade de contar coisas que a maioria ainda não sabe sobre mim. Ou, ainda, que ao dizer coisas que a primeira vista não têm conexão com outras, seja possível abrir esse outro lado que quero amadurecer ou, pelo menos, entender.

- Tenho muita vontade de ficar sozinha
- Houve um incêndio numa casa da minha rua, mas eu só espiei do balcão e não quis descer pra ver de perto
- Há mais ou menos umas vinte pessoas que esbocei uma caricatura literária a seu respeito, mas elas nem se dão conta
- Sou bastante discrente dos eloquentes teóricos
- Pago para fazer um mestrado
- Quero um compromisso
- Às vezes me passam pra trás
- Ando quilômetros por dia pra conhecer um território novo
- Choro quando tenho raiva
- Não tenho tendências violentas quando acordo
- Anteontem me senti um cocô
- Tento ser simpática, ainda que me custe
- A mulher da quitanda brigou comigo porque apertei o pêssego pra saber se tava maduro. Respondi a ela com a minha melhor educação, percebi que tava duro e por isso também não comprei.
- Entrei no chinês para adquirir um adaptador. Me atendeu um que não falava espanhol. Me empurrou em mandarim um mega super por 7,70 e eu acabei levando um de 0.75
- Ri baixinho das senhoras que entraram encharcadas no ônibus por causa da chuva
- Suei bicas carregando minhas malas para um novo apartamento
- Comprei coisas saudáveis para o café da manhã
- Penso em estrear meu tênis novo de esporte
- Chorei quase as dez horas que distanciam o Rio de Lisboa
- Sinto saudades
- Amo várias pessoas ao mesmo tempo
- Brinco de me reinventar cada dia
- Etc
- Etc
- Etc

Amanhã certamente serei outra porque passarão outras coisas. Outras coisas que passam todos os dias e que eu assimilo e incluo ou não dou bola e jogo fora. Isso que me faz sentir viva e gostar dessa sensação.
Tento escutar mais essa voz que ecoa desde dentro, que pulsa e grita. Aquela que me alça a descobrir novos mundos.

Quantos mundos cabem dentro do meu mundo?

Quantos segredos ainda faltam por distribuir?

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Um lar para chamar de seu

Hoje nao programei o relógio. Quando despertei já eram quase 10h. Ainda fiquei uns 10 minutos olhando em volta, pensando. Como era boa a sensaçao de ter um cantinho. Agora eu tenho o meu e espero que essa temporada vivendo aqui seja muito feliz. Também fiquei pensando no novo cantinho dos amigos. Tantas mudanças nos últimos dois meses na minha vida e na de pessoas muito queridas! Estou muito contente por elas e por mim! Todos têm que passar por esse ritual pelo menos uma vez na vida: transferir suas coisas para um novo lar. Tomar esse novo espaço como seu e cuidar dele de verdade. Idealizo já a decoraçao, tudo o que almejo comprar para fazer dele a minha cara, algo mais parecido comigo. Na verdade acho que ao decorar vou descobrir o que gosto de verdade, vou me revelando a mim mesma. É uma pena que nao possa pintar as paredes (nem de amarelo ouro, nem de verde bandeira) tampouco furar paredes para dispor meus quadrinhos. Mas nada disso é grave e para tudo há outras soluçoes. As mais imediatas já foram tomadas e as demais com tranquilidade certamente virao. Me esparramo no grande colchao de lençóis negros e sorrio. Sorrio para o armário branco antigo que também sorri pra mim, para o balcao que ainda está fechado esperando que minhas maos o abram para que o dia invada meu quarto e para as fotos do porta retrato escondido atrás dos cosméticos. Tudo isso terá seu devido lugar. E parece que eu já tenho o meu!

domingo, 13 de setembro de 2009

Mudança

As janelas do teto do quarto espiavam inquietas o sono da menina. E quando as nuvens resolveram dissipar-se, elas puderam mostrar-lhe o novo dia que se anunciava. A menina, sentindo a claridade que vinha de fora, finalmente depertou. Ao abrir os olhos, reconheceu o lugar e lembrou que já era hora de ir. Para nao incomodar os donos da casa e com a perspicácia de um felino que se movimenta sem fazer ruído, ela deslizou pelos corredores em busca de seus pertences. Enquanto os organizava nas malas já bastante gastas por tantas idas e vindas, ela recordava suas histórias e repassava sonhos. Estava feliz? Sim. Ainda assim, estranhamente, sentia uma fina tristeza e bem sabia o por que. Sabia que nunca seria possível abstener-se da tristeza que carregava dentro, mesmo que vivesse mil e uma alegrias e que se despertasse com mil e uma manhas de sol. Uma alegria é uma alegria. Uma tristeza é um corpo intangível ligado ao nosso corpo concreto. É o pesar dos amanheceres chuvosos. É o desconforto do abandono. É o desamparo da despedida. O desejo insaciado. A vontade tolhida.

Mais uma vez olhou as janelas sobre sua cabeça. Fazia calor e já passava da hora de ir. Havia feito as pazes  com a tristeza. Hoje nao, sentia-se feliz. Fechou a porta pela última vez e partiu acompanhada pelo sol dos últimos dias do verao. 

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Com quantas tristezas se faz uma alegria?
Ele saiu de casa pra comprar cigarros...
Ela mudou de país pra encontrar sentidos...

E eu fiquei só, como de costume.

inédito

fazia sol. era uma quinta-feira. só me lembro de atravessar a rua com pressa; esbarrei nela e caíram os livros. ela xingou. eu ri e disse que a culpa era dela. ela xingou de novo. eu ri mais uma vez - fiz de louca. e comecei a chorar em seguida. e ela, indignada, disse: ah, não! não-não-não... disse muito rápido e muitas vezes. e eu chorando ainda. e ela, ao tentar me acalmar, derrubou de novo os livros. e eu solucei. e me engasguei. e voltei a rir - alto. e disse: puta merda! e desta vez ela riu também. e eu disse: hoje fez sol, mas está chovendo. e ela concordou. e os carros buzinaram e xingamos os carros com mãos firmes e palavras tontas; e sentamos pra um café. inédito e sem reprise.