segunda-feira, 30 de março de 2009

Qualquer coisa

Me impressiono sempre que leio você, mas não mantenho um diário. Quem duvidou da beleza do seu corpo nú não pôde ver nada direito. Estava cega. Deve ter os olhos feridos, cicatrizes profundas e noites mal-dormidas. Pensei em ser o novo, mas novidades logo acabam e, no encadeamento dos instantes reside uma história. Qual TEREMOS? Pensei também que você poderia me chamar do que quisesse, porque quero muito ser outra coisa, embora nada venha a me deixar alegre e, não sei, a você satisfeita. Minha única exigência é que não haja apartheids, porque com eles nada é inteiro.

Lembrei de um poemeto de um autor sem vergonha que eu sei de cor.

"Um é aquilo feito de dois
quando não há depois"



De cor,

?

Os nomes de Alice

* "...não se morre
uma só vez, nem de vez.
Restam sempre muitas vidas
para serem consumidas
na razão dos desencontros
de nosso sangue nos corpos
por onde vai dividido.
Ficam sempre muitas mortes
para serem longamente
reencarnadas noutro morto.
Mas estamos todos vivos.
E mais que vivos, alegres...
"


Sou feito de outros sangues,
reunidos em meu corpo e meu sangue, dividido em outros corpos,
misturado a outros sangues,
segue noutros, ainda mais distantes.

O nome que tenho deram-me. O dos meus, escolhi, tentando dar a eles outro destino. Afastei-os o mais que pude de mim mesmo, como se não fossem eu, também, a correr pelos gramados, a fazer estas perguntas, a temer e duvidar... Abençoada e Coragem.

Olha. Sou aquele menino pulando no gramado... e a menina que me interroga. Quando repondo não é para ela... é para mim que respondo, e em nome de todos que vieram antes, ainda que briguemos, ainda que neguemos o nosso próprio cheiro naquele velho de antes, ainda que as rodas, os risos, as mãos entrelaçadas já não se toquem mais.

Esta palidez, repetida em cada rosto, esta distância, devida, ainda que pareça injusta, é a força que nos põe adiante; é já a resposta que bradamos, a solução e a garantia de que eles também seguirão, quando as crianças voltarem a correr em volta de uma nova mesa. Então todo o riso será recobrado, a ciranda será recobrada, a alegria virá, renovada. E nossos braços, fortes, afeitos à luta, serão postos à prova. E esses mesmos braços, doces, feitos para o abraço, voltarão a abraçar.


* "Teu olho cansado,
mas afeito a ler no campo
uma lonjura de léguas,
e na lonjura uma rês
perdida no azul azul,
entrava-nos alma adentro
e via essa lama podre
e com pesar nos fitava
e com ira amaldiçoava
e com doçura perdoava
(perdoar é rito de pais
quando não seja de amantes).
E, pois, todo nos perdoando,
por dentro te regalavas
de ter filhos assim...
"


* Carlos Drummond de Andrade em "A mesa".

domingo, 29 de março de 2009

para os dois

Ando um pouco descompromissada com a vida e tenho me dedicado à leitura. Me impressiona quando leio uma frase que é minha mas foi escrita por outro; é como se eu tivesse um amigo que não conheço, alguém que me escuta e que me vê em segredo. Então sorrio compreendida e escrevo no meu diário aquela mesma frase, para jamais esquecê-la. Tenho também inventado estranhos hábitos. Às vezes acordo sem saber exatamente onde... Esta tentativa de experimentar novos gostos, novos corpos, novos tatos, tantos novos e novas me deixam exausta, pois é preciso muita concentração na coisa. Outro dia mesmo dormi numa cama nova e vos digo, queridos, que foi desafiador a perda da segurança de lugar, a perda da referência de casa: é como ser livre e não saber o que exatamente fazer com isto e, assim sendo, já não chamo de liberdade. Como está sendo novo agora escrever para vocês dois ao mesmo tempo, eu que sempre quis separar um do outro, como se separados eu tivesse um pouco mais de cada um e vocês bem sabem que eu quero tudo inteiro... Pois perceberam que esta carta tem tom sério? Será que esta sou eu, então, deixada de lado a roupa que me visto todos os dias e saio pra rua? Esta séria e ousada sou eu - me olho no espelho nua e até me acho bonita. Deve ser a maturidade chegando, qualquer coisa de aceitação e deslumbramento com si mesma, ou apenas uma preguiça conformista de domingo de manhã. Não, não é preguiça, é verdade. Sou mesmo bonita nua e estando certa disso penso que é uma pena ser privilégio de poucos (e de novos que esqueci o nome ao acordar livre). Talvez devesse andar nua pelas ruas - mas isto estragaria toda a beleza do privilégio, então é prudente não esgotar a surpresa enquanto É. Alice - não quero batizá-la outra vez porque perderia uma história boa de contar, mas poderei na nossa intimidade te chamar do que queira se isto te deixará alegre e a mim, satisfeita. Faroleiro-mágico-inventor: quer ser outra coisa também? Aproveita que estou para o novo e é o momento certo de escolher, só não pense que o que TEMOS, simplesmente vira passado quando se decide o futuro: no encadear dos tempos há um caminho. Estou enigmática ao dizer, e me vejo como uma estrela de cinema sentada de pernas cruzadas, um olhar blasè e um cigarro na mão esquerda. Esperem: esta fotografia não é minha pois não tem nada de nua. A cena é:

Mulher bonita diz. (Simples assim)

Vocês , por favor, sintam a paisagem como um lugar de beleza e verdade. E música - a que toca agora é assim: "Acabou chorare, ficou tudo lindo de manhã cedinho. Tudo cá, cá, cá, na fé, fé, fé. No bu bu li li, no bu bu lilindo, no bu bu bulindo..."

E acabou mesmo. Estou bem - para além das definições.

Sugestão (tardia) para a caixinha

sábado, 28 de março de 2009

sexta-feira, 27 de março de 2009

E depois de tudo, o desafeto

A alegria das manhãs de sábado. O jardim florido margeava as escadas de concreto. O banho de mangueira no quintal da casa grande. As pequenas reuniões em família. Os churrascos. O amigo oculto. Os primos em volta da mesa. As brincadeiras. A zanga dos adultos. Os tombos de bicicleta. O descobrimento das palavras proibidas. A escolha entre o gibi e o biscoito. O clube da madrugada. Os piques. As rodas. O riso.

A história da sopa de rosas vermelhas, de vez em quando, aparece para mim. Como também a do cabo do pente queimado e a da sigla do PDT escrita a lápis atrás do armário. Lembro-me bem da casinha de madeira pendurada na parede da casa de minha avó e de que, brincando de pique esconde com duas das minhas, ganhei uma cicatriz no lábio. São inúmeras as recordações. Mensagens de um passado que ficou guardado em uma caixa no fundo do armário, de um tempo empoeirado que parou.

Hoje, após a comemoração dos muitos anos cumpridos da matriarca da família, sinto que empalidecemos. Nunca estamos juntos. E quando estamos, nos noto distantes. Almas perdidas dentro de seus próprios limites e manias. Já não nos dizemos muita coisa e se dizemos é sempre da boca para fora. Nos suportamos e isso nos basta. Ainda que não devesse.

Hoje não há mais daquelas rosas. Tampouco os pequenos em volta da mesa. E nem aquela alegria. E menos ainda a ingenuidade. Não sei em que momento essa relação foi sendo enfraquecida, recortada, desmantelada, sufocada. O engraçado é que não sinto saudades. Ás vezes só um pouco de vergonha. Vergonha por participar desse circo de simulações e não reagir. Vergonha de não tentar responder à altura aos que estão perdendo o respeito aos laços e a memória.

E por um momento falávamos de uma solução, de um resgate.

A conclusão é a do conformismo com o não.

Não criemos falsas esperanças. Não há solução.

segunda-feira, 23 de março de 2009

É tempo de calar...Dizendo.

Ando mesmo recolhida, Faroleiro, é que estou esperando o
Futuro
que você me revelou noutra carta. Enquanto
Ele
não chega, dedico-me à uma nova aprendizagem: Faxina. Mas de verdade - não destas em que se pega tudo que não nos vale mais, se guarda numa caixa e, por preguiça ou apego, se encontra um canto para esquecê-la, como se esquecendo-a, ela não mais existisse. Porque troquei as coisas todas de lugar, a casa está às avessas e já não encontro nada facilmente. Imagina, então, o que acontece quando me chega algo urgente...

S-u-s-p-i-r-o: é difícil RESOL(VER) quando não se sabe ONDE a resposta está.

Pois inventei duas passagens secretas para estes casos:
ou dou outros sentidos para os nomes que sei,
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.
.
ou esqueço o que sei dos nomes e fico apenas com os sentidos.

Me explico: Se estou com sede, ponho-me a procurar do que beber mas como baguncei tudo, não sei mais do lugar dos copos, das garrafas, das torneiras... Mas ainda sei o que é sede. E sinto. É nesta hora que vem a invenção: quando eu falo a palavra sede, o novo sentido que chega é o do desejo de dormir e então eu me deito (não importa se há cama) e a vontade passa. Às vezes isso não funciona e tenho que usar doutro artifício: apenas sinto o que é sede e esqueço o que é copo, o que é garrafa, o que é torneira, e, como não sei mas de nome nenhum, qualquer coisa que provo eu sinto que é água e a vontade passa também.

Veja que fato curioso: no mesmo dia em que o médico me disse que eu tenho uma cicatriz dentro do olho esquerdo, um moço que costumo ler escreveu que ultimamente tem passado muitos anos; Taí mais uma coisa para eu RESOL(VER).

Vou colocar no envelope um abraço pra você, Faroleiro. Ihhhhhh... Quando fui pegar o abraço já não estava ONDE e por não ter inventado nada para o tempo, ainda sei e sinto o que é pressa... Portanto, deixe-me ver o que tenho aqui por perto para lhe dar. Pronto: giz-de-cera....

Um giz-de-cera com afeto pra você,

Menina

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*Mesmo mudando as coisas de lugar, da caixa dos afetos eu sempre saberei: Está dentro. Infelizmente.

Reinvenção

Menina,

A única certeza que tenho agora é a da fluidez. A certeza de um mundo concreto com bases fluidas. Situações passageiras, quereres pueris. Está certo, somos volúveis. Você e eu. Eu e eles. Ele e elas. TODOS, instáveis, girando e misturados. Histórias entrelaçadas, como as línguas, como braços e pernas. Minha cabeça anda torta. Noites mal dormidas, ecos de risos e vozes, sensações induzidas, olhares de grandes olhos. Também tenho coisas para te dizer. Mas todas também sem forma e sem nome. Assim nos entendemos, menina. Assim nos entendemos. O que tenho para te dizer cai no âmbito do senso comum, da rotina ordinária. Mas são sensações só minhas que quero compartilhar contigo. Ainda assim elas não têm nome nem apelido. Não provêm nem dão frutos, posto que são temporais. Amanhã vem outros e depois outras e outros. Ontem sim, hoje não. Amanhã... fluido. Acho que estou confusa. Me reinventa mais uma vez, menina! Me relativiza?! Me batiza de novo?

Esses dias alguém ouviu meu coração bater. Impressionado, me perguntou:
- É sempre assim?

Não respondi.

A pergunta que eu me fiz e que ainda ecoa é:
- Será este também passageiro?

tum-tum, tum-tum, tum-tum, tum-tum, tum...

domingo, 22 de março de 2009

Alice: Não tenho carta para responder, mas escrevo do mesmo modo. Tampouco tenho novidades, a não ser a quase certeza de que elas não existem: é tudo invenção da gente. Como recém-inventada é uma palavra que quero te dar, chama-se: (?#&*!). Ainda não sei como escrevê-la, nem a que idioma pertence. Mas tem sentido, ou melhor, tem 3 sentidos: tem cor - é verde, tem cheiro - de canela, tem calor: é de morna pra quente. Falta ainda definir a forma, mas é bem capaz que seja grande. Você bem sabe que tendo para o exagero... Deve ser por isso que estou sem fôlego para prosseguir. Aliás, acho que me calarei por um bom tempo.

sussurro: no silêncio se pode ouvir o coração bater! Cada batida é uma frase secreta que só o do outro entende. Parece que tem mensagem pra você...

tum-tum,tum-tum,tum-tum, tum-tum...

quinta-feira, 19 de março de 2009

Ballet Oracular

Uma mentira surda e intangível.
Uma mentira que não cabe em esferas e movimentos elípticos, revelada no desejo imóvel de girar... uma mentira imaculada pela fome de esperar: Futuro, vinde! Eis a única mágica que se pode inventar, ainda que nenhum poder faça-se provável... nenhum querer necessário, nenhum contato enigma. Oráculos são para os que respeitam as placas, para os que param à porta em busca de respostas (perdoe-me a amolação dos mistérios), mas uma porta o que é senão um convite, ainda que esteja trancada? "Trouxeste a chave?", menina? É sempre um contvite. Quando a música parar, mágica: Futuro (é com F maiúsculo mesmo), vinde! ...e outro alguém se chegará... e dará corda na vida da gente.
Brutalmente.

PS: É dentro para onde correm.

segunda-feira, 16 de março de 2009

entre o filó e a sapatilha

Faroleiro, tomei a decisão mais importante: Serei bailarina. Bailarina destas de caixinha de música: os braços delicadamente erguidos, o tronco reto e esguio, o rosto humildemente inclinado em sinal de serventia, o olhar concentrado e singelo e, ainda como se não bastasse, serei apenas leveza sustentada na pontinha dos pés. A caixinha será minha morada; não esperarei heróis nem príncipes, pois bem sei que maior amor encontro naqueles de coração ferido. Tampouco estará a porta assim tão sem impedimentos! É provável que faça um enigma: para aonde correm as meninas? Uma vez aberta a caixa, a última prova: o primeiro contato entre mãos(do outro) e corpo(o meu) deverá procovar o mágico arrepio - a mistura indizível de prazer, respeito e encantamento. Se não for isso, então nada feito; nada de música ou dança. Porém, uma vez despertado o corpo casto, terá - o eleito - o convite eterno para o meu balé íntimo de amor e desejo.

domingo, 15 de março de 2009

deles

Ele: por que, ao falar meu nome, toda vez você faz uma pausa entre uma parte e outra, como quem passa por um paralelepípedo?

(6 minutos)

Ela: é o tempo de um mergulho, ora.

(...)

sábado, 14 de março de 2009

da série 'lo que aprendí con las mariposas':

FUI EU

te dei essa língua
de sentir amargos
e a pele fluida
de arrepios-apelos
arei horizontes
de perder passados
replantei afagos
de enfiar os dedos
garota, teu cheiro
meu caso
na boca da tarde
segredos
ensaios de medos
alheios
ficou tudo nosso meio
nada feito
feito nada fosse mesmo
nosso enredo


Rio de Janeiro, 11 de outubro de 2007

da série 'lo que aprendí con las mariposas':

No reflexo quase somos
um casal
a não ser pelo fato de
não sermos
sob as lentes
do arnette falso, meu disfarce
algo verdadeiro sente
falta
de ouvir seu sim
com mais frequência
ganhar um olhar
quando se afasta
mas você
tem suas lentes
caras
o Sol poente confere
ao reflexo
ares de tela
a cidade passa veloz
por nós
emoldurada na janela
no vidro vejo uma cena
parece um casal de cinema
você bela
sonha uma conversa
pro dia seguinte
seguir
eu já não valho a pena
sinto coisas de cão
impulsos de perseguir
domar, mordê-la
covarde
o amor é essa coisa
pequena
a falta que a gente sente
de um papo de fim de tarde
a música que se reparte
enquanto não chega
a hora
de descer


Rio de Janeiro, 09 de outubro de 2007

da série 'lo que aprendí con las mariposas':

PARALAXLOVE

Não ser digno de nenhum amor,

meu projeto



A quem puder dar, tomar,

em grandes goles de estio,

o que houver de mais quente



E no poente da tarde, ou da vida,

partilhar sempre a mais fria

i n d i f e r e n ç a



Desse vazio, minha entrega

sem esboço de mínimo gesto

ou vestígio de qualquer som...

dessa ausência, que é minha

melhor oferta,

colher a noção exata do Não,

isso sim, de todas as coisas,

a coisa mais certa



Para ser, fielmente

(os olhares se perdem quando os olhos apontam na mesma direção),

à margem do que não é dito,

o oposto do que persigo inerte



Até não ficar

nada de bom


Rio de Janeiro, 29 de setembro de 2007

da série 'lo que aprendí con las mariposas':

não alcançar
é estar
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Rio de Janeiro, 19 de abril de 2007

Se Ana(lia) não quiser ir eu vou só...

Já não sou aquela que ontem, segura da limitação da sua própria existência, disse - em voz alta - que dar conta das imperfeições do outro era esfera do divino e portanto, ao corpo (bicho faminto que é), caberia apenas a tarefa de escolher uma presa do tamanho da sua vontade, ou MAIOR. Eu estava embriagada de chá àquela altura e espero que isto sirva de argumento quando confrontada com o dono do formigueiro... À parte minha defesa, acho mesmo que você, Faroleiro, é um mágico-inventor: lux sub illa umbra! shhhhh...

Terra à vista: diriam, aos pares, os corações domados.
Mar à dentro: eu digo (só) - só porque eu sei.

Mas hoje não estou para a poesia... A gota do mar é só a gota do mar; nem por isso fico triste. Por sabê-la assim, faço dela o que eu quiser. Aliás, eu tenho um barco à vela e lá fora parece que faz sol: lux sub illa umbra! shhhhh...

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PS: "...Eu vou só. Eu vou só sem Analia mas eu vou. "

lux sub illa umbra

Menina, tudo é mar e vento a nossa volta. Escuta: shhhhh... é tudo o que se pode ouvir: sal e segredos. Nada é tão sério quanto brincar e fazer algazarra e muito pouco vale a pena além do selvagem em nós. Todas as noites o amor nos colhe (a despeito de quão profundas possam ser nossas raízes) e nos traz para dentro. Quando despertamos estamos nús e desertos. Há muitos portos, eu vejo, mas sabemos: a sede de toda embracação é navegar. Olha sem gravidade aquela gota de mar: é a mesma gota que transbordará delicada de nossos olhos sempre que as mãos se soltarem; a mesma que corre apressada em nossas veias... sem que nenhum mapa seja necessário para que ela siga o seu detino de nos ser... ora mares, ora menos, ora não.

sexta-feira, 13 de março de 2009

mensagem escrita na penumbra para que não seja descoberta antes de chegar ao seu destino

Faroleiro: você sabe guardar segredo? Pois vou te dizer algo sério: Meu coração é uma terra selvagem. Faz muito calor de noite, tanto que é preciso se desfazer das roupas e deixar o corpo brincar com o vento. Se descuidar, o amor vem e te pega, te leva pra cama com tanta delicadeza que você vai sem nem saber que sutilmente está sendo arrastado. Tem mar no meu coração. Atenção: Mar não é rio, rio é pra gente que não se arrisca e quer nadar em águas calmas. Meu coração é terra viva, é preciso bravura e firmeza de caráter para explorá-lo. Mas, uma vez dentro, só finca raízes quem fala baixo e passeia de mãos dadas. Meu coração não tem mapa! Não tem caminho - é (des)caminho, aliás. Meu coração é selvagem, apenas quer, apenas é...Segredo.

quinta-feira, 12 de março de 2009

Dia desses recordava outros passados (são tantos que muitos perdem-se, irremediavelmente). Íamos eu e Alice no ônibus, a luz difusa do fim da tarde cegava-me e, cego, lembrava melhor e, com a memória correndo mais fluida, modulava qualquer coisa harmoniosa e delicada. Invencionice, pois trata-se sempre de inventar - "A memória é uma ilha de edição", lembra, Waly?. No caso, inventávamos nomes. Éramos amigos e para sempre. Éramos muitos... e inventávamos nomes. Achavamos que nossos nomes não se pareciam conosco. Soavam sempre antiquados, pouco vivazes para o tanto de vida que não podíamos conter. Então, no ônibus, cego e saudoso, imaginava um nome para Alice, mas perdi-me - pura sorte: jamais chegaria a Alethia, "a verdadeira". Ao menos cheguei a você, impronunciável e sem chá, enquanto seguíamos por caminhos distintos e afins... repletos de nomes... e flores... e pedras.

faz um chá pra gente, Alice?

Estava pensando num nome pra te dar e escolhi este: Alice, espero que goste, pois. Minha pequena: me provaca um riso casto - estes do cantinho da boca - toda vez que penso no quanto tua inquietude te deixa quieta. Eu, tão acostumada à sua agitação de mundo, fico um pouco perdida no teu silêncio contemplativo. Você me falou de um tempo que já quase não me recordo, embora tuas memórias cálidas ressoem no meu peito como uma canção antiga que, mesmo sabendo apenas a melodia, a sensação é de nostalgia por alguma boa história...
Olha que bonito um passado que inventei para nós duas: em plena quinta-feira útil, ficamos sentadas na varanda de muito verde e muito frio ao redor. Nevava - mas era neve da boa, destes flocos que não esfarelam com o vento. Você me fazia rir e eu te olhava com olhos encantados. Ficamos assim por horas, alegres e completas. Tinha momentos que calávamos, calávamos tanto que podíamos ouvir nossos segredos sem pronunciá-los. E, quando deste instante - eu, prudente e sorrateira, te dizia: faz um chá pra gente, Alice?

Passado o passado, te digo: faz?

Um beijo.

havia uma flor no meio do caminho

Eu estava distraída na janela vigiando a chegada do correio. A encomenda que recebi não era a sua - você atrasado, a carta (a outra), fatalmente entregue no momento exato da espera. Ora, meu coração cansado não resistiu à euforia de uma delicadeza em prosa e se permitiu, outra vez, ser aliciado. É claro que o afago desejado-perdido-encontrado teve o efeito de brisa a refrescar o pescoço em dias quentes – ainda que o elo entre vento e corpo seja mais passado que vontade de agora. Depois do arrepio, o que fica é um papel borrado de suposições e nenhum sentido se não o da tolice infantil de se distrair com o presente envolto em laço de fita quando, considerando a natureza daquilo que se quer, não deveria nunca estar embrulhado. (...)
Mas já te digo, Faroleiro, que estou recuperada da minha frágil vaidade; Voltei para casa em tempo de te receber e me aprontar pra festa de nós dois – você, gelo-correnteza, eu, vento-oceano. E quando eu ficar cansada de tanta alegria e cor, só saberei de dormir tranqüila ouvindo o dedilhar do seu violão mudo.

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Ah! Havia uma flor no meio do caminho, mas eu nem sei mais como ela chama.

quarta-feira, 11 de março de 2009

Poema para que não cesse

nada cessa com o não

a pedra não importa

ainda que cesse

discorde

pedras não interrompem

o caminho

o poema existe e atesta

'Tinha uma pedra...'

o verbo concorda

'... tinha uma pedra'

ainda que cesse

discorde:


depois do 'se', o 'senão'

Desabafo

Menina,

Desculpe-me pela ausência de notícias. É que passei por dias um pouco atribulados. Como sempre é bom receber notícias suas. Mesmo que elas sejam em forma de um breve bilhete com uma leve chamada de atenção pela minha ausência injustificada. Estou tão inquieta esses dias... às vezes me vem um desânimo sem fim, uma vontade profunda de dormir e deixar o sonho me levar para um lugar mais calmo. Outras vezes, tenho rompantes de ansiedade e faço muitas coisas ao mesmo tempo. Corro mais do que devia, penso, ajo, corro, paro. E outra vez corro mais do que devia, penso, ajo, corro, paro. Até desanimar novamente. Oscilo entre essas sensações e vou levando a vida. Lembrei dos tempos de Andaluzia, da vida branda e lenta. Do andar de bicicleta na chuva, deixando empapar as roupas e de ir batendo os dentes de frio até chegar em casa. Apesar de tudo, livre. Lembrei também das tardes pós-colégio, quando adolescente, em que saía às pressas da escola para encontrar um amor primaveril. A deliciosa sensação da descoberta e do proibido. Quem poderia saber? As festas de minha cidade com os antigos amigos, com os quais hoje tenho pouca ou nenhuma identificação. A subida em uma montanha cheia de neve. A falta de ar. O cansaço. E lá no alto encontrar os braços do companheiro-namorado, que te guia com carinho, graça e devoção. Perder-se por ruas desconhecidas. Achar-se nos símbolos e nas lembranças do que já se encontrava dentro, mas faltava ser tocado. O prazer do retorno. De abraçar alguém querido. De chorar de rir. De encontrar um olhar te olhando. São memórias de um passado saudoso e ainda próximo, mesmo sabendo que já me aproximo dos 30 anos. Calma, ainda há tempo. Apesar da saudade, estou bem. Bem de verdade. É certo que ainda há muito o que melhorar, mas não me queixo. Como a maturidade, a plenitude chega devagarinho. E devagarinho divagamos nós sobre sentimentos, sensações, experiências, lembranças... Até onde a memória alcança, até onde o coração aperta e o corpo suporta. Até onde a pena alcança, até onde o calo aperta e a vida suporta.

Perto demais.

Há pouco bebia do livro que não me emprestastes. De súbito tive a clareza de que jamais o devolveria. Não pela riqueza dos poetas, da vida verdadeira que corre por aquelas linhas (são cartas infinitas), mas pelas mãos que o percorreram, pelos olhos que buscaram ali algum sentido, pelos sentidos todos convertidos à palavra, bendita e bela palavra alheia. Então, acabei aqui, no meu posto de operações, breve e inútil. Perdoe-me o mau uso de tua sensibilidade. Vou passar ao violão, que só me permite a palavra misteriosa. Acho que jamais serei compositor.
Um beijo.

terça-feira, 10 de março de 2009

Do que não se pode ler

Menina,

Aqui não amanhece
desde antanho,
mas não é por falta
de luz, você sabe.
Tampouco de recibos,
esses papéis tristes,
solicitados sempre com a maior urgência nas manhãs de indignação solitária e mordaz.
A mim morde-me outra fera: a do cansado de carregar as coisas alheias, do tanto de compromisso e gravidade que é preciso ter, sempre. Tudo sempre tão entrega, tão profundo, tão herança. Tudo tão marcado e rimado e partido em postas e posto às travessas de prata sobre a toalha de linho à lei da madeira da mesa. Olha a camada de gelo bem fina que à noite se forma nos córregos sobre a colina... quero ser aquela camada de gelo... que ao menor calor dissolve para entregar-se à correnteza... que não teme e não deseja... apenas É; mas acovardei-me em algum lugar do caminho e, desejoso e amedrontado, também corri, às portas do abismo onde a verdadeira riqueza esperava por mim.
Seja como for,
surpreendi-me
comovido com
sua carta.
Mais com o que
não se pode ler:
suas mãos soprando
como as de Iansã...
o cheiro dos sentimentos
encharcando o papel-tela...
a esperança de que alguma palavra venha a germinar...

...mesmo que ninguém olhe por ela.

Deve haver aí qualquer sentido.


Um beijo de gelo.

segunda-feira, 9 de março de 2009

urgente

Faroleiro, embora saiba que é minha a falta de notícias, hoje acordei demais indignada por não receber nada de seu. Pois sou um pouco avessa à matemática exata das compensações: eu digo, você responde, eu respondo, você diz. Por favor, querido, deixe de lado esta convenção absurda de quem entrega afeto mediante recibo - tudo pra mim é tão urgente, a encomenda que fiz era pra vida que passou e por pouco não percebi. Me escreva sem resposta, me escreva um suspiro, me escreva a fotografia mais bonita do seu album secreto ou, além-mar, me escreva o assovio daquela canção delicada que outro dia falamos... Sim, o assovio: desta vez não quero as palavras, eu quero o sentido. O sentido do seu mundo. Um abraço afetuoso.

domingo, 8 de março de 2009

Abandono

Hoje é um dia muito triste. Como foi também ontem e anteontem. Todos os dias são um pouco tristes e um pouco felizes. Mas os últimos têm sido muito tristes. Tristes pelo calor exagerado. Tristes pelas perdas. É estranha a construção das relações. E todavia mais é a manutenção dessas redes. Penso no apego, na carência e nos desdobramentos desses sentimentos. Nossa necessidade de que as coisas tenham um princípio, um meio e um fim. Nosso desalinho quando elas não são concluídas. Nossa inquietação. Estou inquieta e triste. Desalento e abandono. Será que ela também se sentiu abandonada? Culpa. Onde ela estará agora? Será que está bem? Será que sente dor? Hoje o que eu mais quis foi me desapegar. Hoje eu desejei esquecer tudo para não chorar, para desafogar meu peito e meus olhos lacrimosos cansados. Hoje é um dia triste e disso não posso esquecer. Hoje não a enterrei, mas foi como se a tivesse visto pela última vez. Um corpinho ainda quentinho, adormecido e tranquilo, porém sem vida, jaz no meu quintal e no meu coração. O pior já tinha passado. Agora só vejo dor e abandono.

para aonde as meninas correm?

Outro dia fez uma manhã de sol tão bonita e tímida, destas raras alegriazinhas inesperadas. Bastou abrir a cortina para aqueles raios suaves acariciarem a pele, fazerem graça com os olhos só por pintar tudo de amarelo-claro e depois deixarem as cores desbotarem, lentamente. Em dias assim bate a vontade de espreguiçar o corpo estendendo até a última ponta dos dedos, coisa que muito funciona apoiando as mãos sobre o parapeito da janela e inclinando o quadril para trás... Ai que preguiça! Ai que vontade de tempo!
O tempo - revirando as gavetas da memória, destravei aquela onde guardara minha infância. Tudo um pouco já desbotado, é bem verdade... Mas qual não foi a surpresa quando, ao fechar os olhos, ainda pude sentir o arrepio do dia em que desci desgovernada a maior travessa do bairro montada na bicicleta vermelha com cestinha, a tristeza quase infinita diante da morte do amigo-bicho, a frustração pela descoberta de que jamais poderia voar, a crise de riso incontrolável pela travessura contra o irmão tão inocente e generoso e, principalmente, a taquicardia pelo primeiro bilhete de amor recebido e que dizia apenas assim: "você é minha namorada."
Ai o bilhete, ai o amor. Depois que li, saí correndo pela rua, entrei em casa feito um furacão, me tranquei no quarto, apaguei as luzes e fiquei sentada no escuro, aterrorizada por ter sido descoberta. Foi a primeira vez que odiei alguém... Logo ele, o melhor amigo. Na manhã seguinte, um aviaozinho de papel sobre a minha carteira no colégio trazia a mensagem: para aonde as meninas correm?

Só sei que ainda não encontrei a resposta.

quinta-feira, 5 de março de 2009

quarta-feira, 4 de março de 2009

Vete pa lejos, pero quédate aquí

Talvez tua ausência presente seja a maior prova de amor. Há presenças ausentes que não se justificam. Não te toco, mas tu existes. Que assim permaneças se for para aproximar-te de mim. Que não te acerques se for para me esquecer.

Outro beijo

um sopro de carinho

...Ficou tão triste, mas tão triste que protestou. Então, a amiga, diante do sussurro de saudade, respondeu com um bilhete assim:

Querida, somos feitas da mesma essência. Nem sempre estar presente é estar junto. Te carrego no meu peito, viva e linda. Reconheço a distância e a ausência, mas perdoe... Breve sentarei novamente ao seu lado e você verá, pequena, que meu amor segue intacto. Um beijo.

terça-feira, 3 de março de 2009

El miedo - (21 de noviembre de 2007)

Creo que la civilización sufre de dos grandes males: el miedo y la soledad. Cada vez tenemos menos tiempo, menos interés, menos paciencia para con las situaciones de la vida. Preferimos una televisión y un ordenador conectado a la red que la compañia de un amigo o de un pariente. Por eso, nos liamos con las superficialidades de nuestras "supuestas" obligaciones diarias y elegimos una vida solitaria y vacía.
El miedo surge como una consecuencia de estos hechos. Empezamos a construir nuestros temores. Ya no queremos más profundizar las relaciones, tampoco crear ilusiones. La confianza pierde su sitio y poco a poco nos acomodamos con nuestra triste rutina de cumplir lo que un sistema injusto nos impone constantemente por sus medios. Hacemos lo mismo todos los días sin plantearnos demasiadas cosas, sin reflexiones en valores, sin cambios ni recuerdos.
Pienso que este miedo que nos aterra demuestra la fragilidad de nuestros cuerpos y más, de nuestros pensamientos, pues ya no manejamos bien situaciones simples, dificultades sencillas y sufrimos por la incapacidad de auto-controlarnos.
Estas son causas generales que acaban por provocar miedos específicos. Miedo a salir de casa y no volver, miedo a estudiar y no aprobar, miedo a jugar y no ganar. Miedo a trabajar y no recibir, a lanzarse y frustarse, a querer a alguien y ser rechazado. Miedo a reir, a llorar, a sorprenderse, a pelearse. Miedo a no lograr objectivos, a perderse, a encontrarse. Miedo a pensar en lo que va a pasar. Miedo a adivinar algo malo previsto. MIEDO.... Cada miedo uno a uno o todos a la vez, ya no nos importa tanto. Lo que podemos hacer para disminuir los daños causados por los miedos colectivamente creados es buscarnos un punto de equilibrio donde estemos a gusto conviviendo entre deseos y limitaciones y donde sea posible competir menos con nosotros mismos.

Numa Avenida Nobre de Paris...

10:17h.
Toca o telefone no escritório.

- Bagarai Representações, bom dia.
- Bom dia, meu amor, é a Sílvia, tudo bem?
- Oi, Silvia. Tudo bem, minha querida. E você?
- Tô te ligando pra fazer um convite.
- Então faz.
- Quer almoçar comigo hoje?
- Ih, tô enrolado aqui. Muuuuito trabalho........... se for amanhã, tem algum problema pra você?
- Não, pode ser amanhã.
- Então...
- Então tá combinado.
- Combinado.
- Um beijo!
- Beijo.


No dia seguinte, 10:12h.
Toca o mesmo telefone.

- Bagarai, bom dia.
- Oi, sou eu...
- Quem? ... ah, oi Silvia, tudo bem?
- Tudo. Tô ligando pra saber que horas a gente vai.
- Meio-dia?
- Pode ser mais tarde?
- Pode.
- Uma hora é muito tarde?
- Não.
- Uma hora, então?
- Tá, uma hora.
- Beijo.
- Beijo.


14:19h.
No carro, seguindo de volta à Bagarai Representações.

- E aí? Você me convidou pra almoçar querendo que eu te agarrasse, né?
- Que isso, Paulo!
- Que que é? Vai negar agora, é?
- Tem que tentar não parecer, pelo menos... agora você vai ficar me achando oferecida. Hmm?
- Eu? Eu tô é perdido, agora, porque se eu não fizer nada você vai espalhar que eu sou brocha. Viu? Que situação?
- Ah, pára, eu nunca ia dizer isso.
- Eu sei, eu sei.

Cinco dias depois, 8:13h.
Num corredor da Bagarai Representações.

- Beth!
- Paulo!
- Pô, você não aparece mais aqui!
- Ah, mas hoje eu vim tomar café com o pessoal. Tenho uma coisa pra te contar... quer saber?
- Claro que quero, fala!
- A Silvia me disse que você foi almoçar com ela noutro dia...
- Foi mesmo?
- E não tentou N A D A, Paulo! Cade você, Paulo? Já não é mais o mesmo, hein? Deixa eu ir, querido. Um beijo!
- Um beijo, Beth...



[... é... já não sou...



... mesmo.]

Quem roubou meu ponto de interrogação?


Imagem:'Question Box', por 'Public Domain Images'.

segunda-feira, 2 de março de 2009

?"E é de ti que não me esquecerei"

Menina, tempo é nada. Nenhuma demora desqualifica Ser. Muitas embarcações atrasam-se. Só as pedras não se atrasam. Viste as gaivotas no caminho? L E I O -TE. Quanto à correspondência, confessar é desnecessário e nenhuma chama é desprezível, mas temer? E a tudo?
Olha tuas garras. Dedica um minuto à elas, verdadeiramente: repara cada tensão fugaz que as percorre enquanto observa; vê como correspondem delicadamente ao menor desejo de movê-las... aí reside todo entendimento, não é preciso correr. Neste lugar de onde compreendes o desbotar de tudo, na metade exata do caminho, onde os mistérios estão todos desvendados e certezas determinam o que é o bastante, neste lugar onde está o teu banquinho, há apenas muros.
E nenhuma presa para fincar as tuas garras.

Um beijo e boa noite,

Faroleiro.

PS: é preciso responder à pergunta: por que elas olhariam para você?

"Lá vem, lá vem, lá vem de novo: acho que estou gostando de alguém..."

Faroleiro, desculpe o atraso. Acho que me perdi pelo caminho entre uma palavra e outra. Te escrevo devagar, como você me pediu, e desejo que a sua leitura seja assim: pausada. Pausada, mas não menos voraz. Andei bisbilhotando sua correspondência, confesso, os bilhetes de outras. Nenhum rompante de curiosidade, apenas a necessidade desprezível (mas ainda assim inflamada) de saber a singularidade de nós dois, pois temo ser para você algo diferente do que me proponho e temo ainda mais o inverso. Minha busca pela verdade e pelas respostas tem me deixado bastante cansada e sinto que já não posso correr como antes. Pior: sinto que o entendimento das minhas inquietudes desbota gradativamente meu encantamento pelo mundo e, se já não tenho o mesmo calor das cores a acalentar os olhos expostos à luz, vou – aos poucos – tornando-me devota e refém da noite. Pois aqui me encontro: na metade exata do caminho entre a vontade e a culpa, uma vez desvendado o mistério daquilo que nos une. Agora que sei, já acho que deveríamos permanecer assim: você - o faroleiro, eu - a menina; e isto já é o bastante. À propósito, acho que estou indo bem. Bem, por definição: tudo o que é bom, justo, agradável e conforme à moral. Talvez eu me limite a isto, à ironia de ter um horizonte com muros. E o mar, e o banquinho e as gaivotas cada vez mais distantes e livres... Um beijo.