segunda-feira, 27 de abril de 2009

ma petite parisienne

O meu instante-já tem lugar no tempo que só eu sei a medida da espera e o tanto do sentimento: 52, Rue Saint Maur - Paris, entre a Place de la Republique e la Bastille, ela toma um café e me escreve uma carta. Numa avenida qualquer do Rio de Janeiro, entre a pausa e a pressa resolvo me distrair com a correspondência; eu (te) leio... E lembro. Sou apenas lembrança e saudade, um coração suspenso em longos tecidos de cor vermelho-vibrante: a alegria e o conforto de se saber amada. Estou só e nas alturas, leve-livre-leve... Tão livremente só. Tão minha que já não sou corpo, sou vontade e luz. A carta, a letra, ela, eu: encontro. Nosso encontro. Te esperarei sempre, tantos forem os mil-dois-mil-instantes-já que nos separam e unem, au même temps.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

pedras
feitas de mim
sobre os ossos seu peso
e nos pés seus estragos
produtos do que fui
são o que sou
e sua carga
em meu sem jeito de carregá-las
ao sopé da montanha
parece mais grave

parece-me a hora de alimentá-las
preparo o alimento
reparto
separo a parte mais nobre
sirvo a todas
esfria meu prato
e a fome disfarço
sorvendo momentos

há medo
e muito as protejo de tê-los
bastam a mim
eu os trato
a elas reservo o leito
dos rios, calores da tarde
o toque da relva
visões de um vale
ensolarado
planejo
a verde humidade
brotar

há medo

calculo nossa escalada
passo a passo preciso
o ritmo de cada passada

em vão, matemática
é nada

trago os ombros já esfolados
as pernas lerdam cansadas
e há ainda o que não se pode
controlar: tormentas
animais vorazes
avalanhces
tempestades
a velocidade do mundo
ao mundo cabe
determiná-la
sou apenas pedra e
minhas pedras a carregar
sigo
subo
rumo ao cume
piso em falso
perpasso
o peso é demais
resvalo
no limo de outra pedra
e caio

e minhas pedras
tão bem cuidadas
à custa de dores
escaras e noites
em claro
caem

sem que eu possa
ampará-las

depois do susto
nada (dizem)


só uma lasca


e uma mágoa

para Julia


sexta-feira, 10 de abril de 2009

sob o céu de vidro

outro dia escrevi uma carta de amor. não parecia, mas era exatamente isto: uma carta de amor. a letra miúda a se espalhar pela folha arrancada do caderno, pintada de marrom e traço fino. nem sei mais o que eu dizia no bilhete, só sei que era amor. e dos grandes. daquele que espera com sorriso, abraço e convite. daquele tipo encantado - o amor que entende. entender é importantíssimo... e bonito. bonita era a menininha que me distraía do ofício da escrita naquela tarde; ela mal equilibrava o corpo e danava a correr sob o céu de vidro em que estávamos. havia outros, mas eu estava apenas para duas coisas: a carta e a menina. ela estava para uma coisa só: correr. já faz tempo alguém me disse: letra pequena é coisa de gente sem ambição. pois nunca mais esqueci e, algumas vezes, temendo que o outro duvidasse do tamanho da minha vontade, forçava escrever grande, mas pela força não saía direito... então fui deixando a letra grande, a letra menor, a letra. (...) a menininha corria todas as vezes que tinha chance; era só alguém se distrair e ela ia, atrapalhada e feliz. pois rabisquei outra vez o papel e, na primeira tentativa, achei que não podia mais escrever. a sorte - e ultimamente tenho mesmo achado que é sorte - é que era uma carta de amor. e amor quando a gente sabe que é, o outro sente. e acha bonito. e entende.

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se escrevo pequeno, é só para caber.


segunda-feira, 6 de abril de 2009

Passos

Mais uma vez ela dizia adeus. Um adeus consciente. Um adeus certo de que aquela era uma decisão acertada. Poucas horas depois, ela volta, sorri e pede desculpas a si própria. Teve pena do afastamento. Teve pena de si. Foi um impulso, bem o sabia. Mas preferiu não evitá-lo. Rendeu-se, mais uma vez, àquela sensação estranha de desesperadoramente querer partir e irremediavelmente decidir ficar. Não se arrepende. Um coração fraco sabe de suas angústias. Se aquieta e se deixa levar. Se deita. Repousa. Fica por um momento em estado de graça. Não sabe se está desperta ou se dorme. Mas mantém os olhos fixos, perdidos em uma tela que já não lhe diz coisa alguma. Suspira. E sente outra vez o conforto de saber-se querida. Mesmo que esse sentir dure apenas algumas horas de toda uma semana. Passam os dias. Passam as horas e os minutos quase se arrastam, moribundos. Hoje, tudo o que ela queria era que o dia passasse. Para mais uma vez fechar os olhos e esquecer. E depois lembrar. E sorrir. E quase dormir. E em um possível sonho, receber a resposta que tanto buscava. A de que se havia pecado e se ele realmente existia, não foi por maldade sua. E se "não há castigo para a fatalidade", que ela seja a culpada pelos pecados do mundo, inclusive pelos meus e que a "Santinha dos pés pequenos", remediadora de todos os males, permita que eu também vá para o céu, se assim o desejar. Resta saber se é possível ir para o céu, sem necessariamente morrer. Porque pequenos como os pés dela, tenho os meus e apesar de alimentar uma ínfima esperança pela redenção, mais medo tenho de encontrar-me de pés pequenos juntos no céu do que de viver confundida no calor do inferno. Pelo menos sem os pés juntos, eu que não sou bailarina, posso atrever-me a alguns passos, não?

sexta-feira, 3 de abril de 2009

oração da bailarina

Para qualquer Santinha dos pés pequenos.

Santinha, quando eu morrer eu quero ir pro céu, porque o inferno é quente e faz de mim alguém que peca sem nem saber... É intuitivo - o corpo vai, simplesmente, e não há castigo para a fatalidade.
Lhe suplico que venha me buscar com a ternura e a leveza de sempre, mas aviso dos perigos da empreitada pois haverá, estou certa, outros à minhas espera não tão bem intencionados quanto você. Sim, sim - reconheço que infringi certas regrinhas mas, infringindo-as, fiz alguém feliz e isto conta, não é? Deveria...
Santinha, não estou sendo intrometida nos assuntos Dele, mas já que amei e fui traída, e traí outros que me amaram, e toquei - ora com maldade, ora com devoção - e fui tocada por mãos menos puras e ainda mais desmerecidas, então está tudo matematicamente compensado. Foi assim que aprendi e o que vale, na hora H ou no dia D, é o que se sabe no ato.
Quero ir pro céu, quero muito e prometo me comportar. Juro de pés juntos e mãos para frente: este o único modo que conheço pra não roubar na promessa. Eu posso fazer graça pra outros santos e ficamos todos rindo distraídos na eternidade. Que tal? Posso também falar alguns versinhos que sei de cor e ensaiar com você passos novos pro Ballet das Nuvens... (aquele espetáculo que inventei nos meus sonhos, com orquestra de anjos e platéia de crianças sorridentes).
Tudo que sei é que eu sou boa! Sou mesmo, avalie: Eu cozinho pros amigos, compro pão pros meninos desabrigados da Glória, presto muita atenção na fala do outro, telefono antes para avisar da visita, telefono para desmarcar a visita, parto quando indesejada e fico quando querida, sou generosa e escrevo poesia e - principalmente, eu rio...
Eu rio o tempo todo enquanto choro em segredo. E se posso um gran-pliè de vez em quando é porque você me escuta e vela meu sono de bailarina namorada da tristeza...

Santinha, não esqueça, quando eu morrer eu quero ir pro céu.

clichê

Para todo braço, abraço
Para toda pedra, poeta
Para todo beijo, afeto
Para todo céu, estrela
Para toda água,sede
Para todo atraso, espera
Para toda carta, resposta.

Para tu(o)do SER, (um) outro.