quarta-feira, 27 de maio de 2009

Perdidos na selva de pedra

Em complemento e resposta a http://entreosimeonao.blogspot.com/

Era uma vez uma menina. Não. Há muito não era mais uma menina. Ainda que não sentisse dessa forma, já era uma mulher. E era daquelas fortes em corpo frágil, daquelas determinadas, cheia de vida, de planos e de ilusões. Era uma menina mulher, como tantas outras meninas mulheres, ou só meninas ou só mulheres que, por uma tolice ou desengano, perdeu a confiança em um dos pilares de sua vida. Ela acreditava que sua estrutura havia sido construída sobre bases sólidas de família, sociedade e indivíduo. E assim sentia com tanta firmeza que seguia, mesmo que passasse por intempéries, caminhos tortuosos ou abalos.

Talvez por excesso de romantismo, sofreu um choque de realidade, essa despida e cruel, a sorrir de escárnio para ela. Esse choque tinha um nome e uma forma grotesca. Tinha um tom de voz grave, até grosseiro. Tinha forma de gente, mas de gente má, com pernas, braços, olhos, boca e ouvidos maus. Acredita-se até que um dia tenha tido um bom coração. Um coração que agora bate num compasso ruim. É inacreditável que essa figura, como tantas outras figuras com formas semelhantes que perambulam por aí, pertença ao nosso mundo, ao mundo da menina mulher, ao meu mundo. Como essa mulher que em um dia específico chorou como uma criança, eu menina, hoje, também choro, ainda que mais contida e conformada.

Retomando o romantismo, esse que nos dias de hoje anda deveras esquecido. Talvez nas linhas de um livro antigo empoeirado ou nos corações ingênuos de jovens apaixonados. Decerto na memória de anciãos enternecidos e sem amargura ou na expectativa das mães de primeira viagem. Nem sei. O que sei é que andamos embrutecidos. E essa brutalidade advém de muitas fontes. Do excesso de trabalho, da falta de cordialidade e de delicadeza, da violência urbana, da inoperância, do desassossego, do desconforto, da intolerância, da intransigência, da aspereza das línguas, dos desafetos, de toda uma gama de situações que nos humilha diariamente.

Estamos fartos. E mesmo fartos, não encontramos forças para erguer os olhos e a cabeça. O que a figura grotesca quis e ainda quer é que andemos em fila, cabisbaixos, infelizes, sem ideais e posturas definidas. O que a figura grotesca quer é te coagir, é fazer você se retratar por ser mais capaz, mais inteligente e mais humano. Ele quer te maltratar e fazer você pedir desculpas pelo desacato. Ele quer mandar absurdos e fazer você obedecer. Ele não quer diálogo, não quer te proteger, não quer saber quem você é, não quer te ajudar. Ele quer submissão, identificação e retratação. Ele quer te autuar, ele quer te prender, ele quer te ver pelas costas. Tudo isso porque você pensou um dia que quando precisasse ele estaria a postos para te auxiliar, cumprindo o que manda a sua função. Mas não nos enganemos. A função dele nunca foi essa. Há muitos anos o mundo está pelo avesso e pelo avesso estamos nós, mocinho virando bandido, bandido virando herói.

Mais uma vez penso na menina mulher chorando. Quais são seus sonhos? A que ela aspira? A que se dedica? Será que depois do choque ainda deseja, ainda sorri?
Não quero pensar em dar o troco, em pagar na mesma moeda. Isso eu deixo aos imundos, que com as mãos sujas, empesteiam a alma e as ruas por onde passam. Se tenho que pagar, o farei com hombridade, pois apesar do pilar da sociedade ter falhado comigo, eu ainda acredito no indivíduo e na família.

Mesmo manca, sobreviverei.

Um comentário:

  1. Deixei tambem uma referência no último post.

    Adorei o texto, belas palavras. E pesado pra se ler numa sexta-feira...

    Saudade.

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