domingo, 31 de maio de 2009

Sabe, Alice, não imaginava andar tão só. Seu anúncio de despedida me pôs no olho de um furacão, onde tudo é vento e imobilidade. Não bastasse isso, os anos me colocaram à porta, todas as manhãs, garrafas de leite, pães frescos e o jornal diário. Poderia não as ter bebido, não os ter comido, jamais ter lido. Mas alimentaram meus dias, construiram minha história os periódicos; paguei por eles e minha obrigação é calar. Acontece que já não sou aquele e por isso me sinto estranhamente só. E agora, sua coragem (eu sei que há medo, mas sempre há, e o que fica é a história dos que seguiram, apesar dele) me coloca em xeque. Porque queria ser como você, apertar os olhos na direção do horizonte, escolher um pouso distante, abrir as asas e atirar-me no vazio (é alta a torre do farol). Minha vontade é tamanha, um querer sem fim corre nas minhas veias, mas corro sobre trilhos. Minha fornalha arde em possibilidades, minhas caldeiras encontram-se em seu limite, sou pura potência, mas a máquina está debreada... e quando move-se, só os trilhos. Então, estou sempre à margem das mesmas paisagens e ainda que leste ou oeste ofereçam paragens novas, diferentes climas, geografias sedutoras, desafiar os trilhos não posso, porque não sei. Além do mais, aquilo que verdadeiramente somos não pode ser aprendido. Senão, ah, quantas lições desse nosso convívio já teria eu incorporado! Já não haveria trilhos, nenhum medo capaz de frear o desejo de seguir, livre; não haveria nada além de nossas risadas, feitas de matéria alguma, feitas de nós mesmos e de nossa humanidade... e o vôo, verdadeiramente.
Tudo que posso dizer cabe nisto: quando pousar os seus olhos sobre as montanhas do outro lado do atlântico, quando puser na boca o sabor distante de outra terra, quando brincar as canções de muito longe e abrigar-se no abraço do seu homem, quando pousar os pés no chão de sua nova casa, algo seu vai estar aqui, sorrindo em mim, apesar da torre, dos trilhos ou da paisagem.

Vai brilhar, Alice!

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