sexta-feira, 29 de maio de 2009

Bailarina,

Daqui, minha torre,
cumpro meu destino de mirar.
O horizonte oferece-se lânguido e fácil
mesmo quando é tarde ou chove muito.
Trabalho, há pouco. Apenas o de alimentar o fogo do farol, cuidar que jamais se apague
e pouco olhar para ele, pois hipnotiza
facilmente os mais desejosos de mais.
Então, fatalmente, resta-me o horizonte, além das cartas. Algumas vezes há gaivotas e fico a examiná-las por tanto tempo que é possível mergulhar a alma nelas e voar. Outras vezes, o movimento dos cardumes me põe a sorrir, porque resumem o mover de tudo e neles soa a orquestra silênciosa do devir. O trabalho é pouco mas grave. Pus-me aqui por escolha, não se trata de queixa. Apenas constato aquilo que foi e é o meu caminho desde a última curva. A solidão é algo com o que se acostuma, como uma dor que jamais cessa e nos ensina a sorrir apesar dela. Mas não é de gaivotas, cardumes ou trabalho. É das cartas que quero falar. Sinto tanta saudade de recebê-las que não é possível explicar. Lembro de uma que li de manhã bem cedo... a neblina ainda baixa esperava os primeiros raios de sol para desvanecer-se; o frio nas lâminas de vento a aparar-me os ossos... e de repente sua voz soprava em emus ouvidos e podia ver seus lábios se movendo, olhos aparafusados nos meus. Tudo cessava enquanto lia. O mundo punha-se a esperar por mim, solenemente, enquanto meu coração ragalava-se de alegrias em saber, ainda que você nunca tenha escrito, que, numa manhã ensolarada de sábado, você comprou sapatilhas novas e tomou chá no centro da cidade. Uma outra releio sempre... também fala em gaivotas. Mas voce tem o seu destino, o seu caminho, o seu passo. E, talvez, nele não caibam mais cartas... por enquanto.

Um beijo, saudades,

Faroleiro.

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