quarta-feira, 27 de maio de 2009

Sombras

Ando cansado. Cansado de toda essa mentira que todos fingem não ver. Cansado desta herança que fui obrigado a receber e que finjo aceitar para que também me aceitem e então reguem meus pés com elogios febris, farrapos de um egocentrismo que me enjoa. Ando cansado dessa vaidade estúpida e emprumada que se disfarça de modéstia porque já não cabe em si mesma e ao transbordar respinga sobre os outros mascarada de um reconhecimento que não existe senão pela expectativa da reciprocidade, o que acaba mantendo todos no mesmo patamar de presunção e arrogância.
Estou cansado de tanta regra e rigor e preconceito e repressão, de tanta discussão inútil, de toda essa retórica infindável que não leva a nada além de uma falsa idéia de justiça e igualdade. Todas as respostas não passam de contradições Abstrações, o nada, palpites, o páreo na raia, sempre seguido de um coro de ignorância que diz amém. Falo de pessoas, de todas, sem esquecer que também estou subjugado a essa condição. Incondicionalmente humano me sinto frustrado. Nos usamos como baús onde depositamos nossos fracassos e esterilidade. Baús sem rótulo que, algumas vezes, numa mistura de desespero e esperança, acabamos abrindo para, no fim ou no fundo, nos decepcionarmos um pouco mais. Falo de pessoas cheias de perfeição, todas covardes na verdade, escondendo umas das outras seu lado mundano e censurável, tentando convencer a todos e a si mesmas de que são especiais, até imprescindíveis. Todas hipócritas. Não vou ser uma delas. Quero que o mundo mem veja como me sinto, um homem que não entende nada, que acorda todos os dias porque não há mais nada a fazer.
Vejo todos desesperados, correndo atrás de suas indulgências, preenchendo-se com o que não vem de sua essência. Essência que à primeira vista pode não parecer mas que acaba sugerindo diferenças. Não vou ser mais um deles, não quero o modelo pronto. Ainda não tenho minhas respostas mas as dos outros não me servem.
Ando cansado porque a vida me tirou do rosto o sorriso, me empurrou lágrimas olhos afora, me cortou de rugas a tez. E não sou velho, não, não sou mas me sinto morto. Apesar de tudo tenho esperanças porque me lembro que não fui sempre sombras. Me lembro de um tempo em que eu tinha as respostas.

Rio, 1992.

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